Os projetos de edifícios e infraestruturas públicas sempre devem prever em seu funcionamento a melhor forma de acesso e conexão com as vias do entorno, sobretudo considerando a rua como caminho de chegada do pedestre aos espaços. No entanto, alguns arquitetos conseguiram sublimar o aspecto prático da conexão entre arquitetura e rua, incorporando essa condição de vínculo como cerne das propostas de projetos que carregam, desde seu ponto de partida, a vocação de espaço público em um sentido rigoroso.
A arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992) foi uma das responsáveis por criar bons exemplos dessa prática da arquitetura preocupada com sua vocação pública, uma postura que se mostra cada vez mais relevante e coerente para promover uma vida urbana democrática, horizontal, consciente e plural. Essas virtudes estão presentes, sobretudo, em dois projetos da arquiteta na cidade de São Paulo, o SESC Pompeia e o MASP.
É possível especular que o sucesso do projeto do SESC já estava premeditado pelas origens do edifício requalificado e reformado por Lina entre 1977 e 1982. A antiga Fábrica de Tambores remonta diretamente à história do bairro, e o projeto arquitetônico, ao estabelecer um diálogo entre o antigo e o que se construiu enquanto novo, preservou um aspecto de conexão simbólica importante entre o espaço e o bairro. A conformação do novo desenho teve como uma de suas preocupações centrais a organização dos acessos aos volumes construídos, e a formação de uma via que cruza o lote e conecta suas ruas circundantes, tornando-se um caminho qualificado e que atrai os pedestres e usuários do SESC. Tão bem estabelecida e vital ao projeto é essa conexão, que o resultado, em termos de uso cotidiano, é a transformação dessa passagem em uma verdadeira rua, uma extensão da via pública urbano ao interior da quadra construída. No caso do SESC Pompeia, seu programa e organização dos volumes corroboram esse uso dinâmico e de grande fluxo da rua interna que, sem dúvidas, é principal responsável pela vitalidade do projeto
Por outro lado, o MASP, Museu de Arte de São Paulo, construído no antigo Belvedere Trianon, na Avenida Paulista, em 1968, é um caso que estabelece outros tipos de ligação entre a arquitetura e a rua. Seu ponto absolutamente privilegiado na cidade já conforma uma situação especial para a arquitetura que ocupa um lote sobre o cruzamento da principal e mais famosa avenida de São Paulo, a Paulista, e o túnel de uma outra avenida muito importante, a Nove de Julho. A situação de projeto tinha uma oportunidade única de lidar com a presença desses eixos urbanos em cotas diferentes e, com destreza, Lina se valeu disso.
O vão do MASP é tão potente por que estabelece conexões com o lugar no qual se encontra em vários níveis. Em termos visuais, essa grande plataforma tem uma vista privilegiada do vale em direção à Nove de Julho, o que reitera a todo momento o interesse na implantação desse projeto. A conexão com a Avenida Paulista é ainda mais virtuosa. O vão traz a calçada para baixo do acolhimento de sua generosa cobertura e vira extensão do caminho público. Mais do que isso, se transforma em alargamento desse caminho, uma superfície para receber os mais diversos usos fomentados pela vida urbana, de um encontro entre amigos a grandes concentrações de manifestações cidadãs.
De forma geral, as preocupações de Lina Bo Bardi ao desenhar espaços públicos sempre considerou formas de adesão às dinâmicas da cidade, incorporando seus fluxos, incentivando o rompimento das barreiras entre dentro e fora, e promovendo um tipo de espaço que reverbera o caráter fundante de seus programas, a vocação ao público, sempre disponível para a apropriação e protagonismo da população. Celebramos a data de seu aniversário relembrando da potência que esse tipo de arquitetura tem na cidade, e comemorando a manutenção desses espaços com plena vitalidade até os dias de hoje.