Surgido em 1981 com a publicação do ensaio “The Grid and the Pathway” de Alexander Tzonis e Liane Lefaivre, foi com a publicação “Towards a Critical Regionalism: six points for an architecture of resistance” de Kenneth Frampton, em 1983, que o termo “regionalismo crítico” ganhou maior repercussão. O ensaio foi publicado na coletânea “The anti-aesthetic: essays on Postmodern culture” organizada pelo crítico e historiador Hal Foster e abre um debate retomado na publicação "Prospects for a Critical Regionalism", também escrita por Frampton no mesmo ano, na revista Perspecta.
“Towards a Critical Regionalism" constrói, a partir de seis pontos - Cultura e Civilização; Ascensão e Queda da Vanguarda; Regionalismo Crítico e Cultura Mundial; A Resistência da Forma-Lugar; Cultura versus Natureza: Topografia, Contexto, Clima, Luz e Forma Tectônica; e O Visual versus o Tátil -, uma crítica a movimentos de caráter universalizante e populista na arquitetura, representados pelo modernismo e pela chamada arquitetura pós-moderna.
O paradoxo entre modernizar-se e permanecer fiel às origens permeia o debate de Frampton em torno do regionalismo crítico com base nas ideias do filósofo Paul Ricoer, que discorre sobre o tema na publicação “History and Truth” (1965). Segundo Ricoer, para fazer parte da civilização moderna, deve-se abraçar uma ordem técnica, científica e política que muitas vezes requer um abandono da herança cultural.
"O fato é que nem toda cultura pode suportar e absorver o choque da civilização moderna. E o paradoxo é: como modernizar-se e retornar às fontes? Como despertar uma velha civilização adormecida e se integrar na civilização universal?" - Paul Ricoer (1965)
A abordagem de Frampton se aproxima mais de uma “via de meio”, na qual é possível atrelar civilização universal à cultura local. Ao se falar de regionalismo crítico, não é raro que apareçam nomes como Rogelio Salmona, Severiano Porto, Álvaro Siza, e tantos outros arquitetos que basearam sua produção tendo em vista as especificidades locais, mas sem representar uma reprodução fiel de arquiteturas vernaculares, portanto, uma abordagem crítica em relação ao regional.
Nesse sentido, as obras dos arquitetos tidos como regionalistas apresentam certas características em comum, não pela forma arquitetônica em si, mas pela maneira de lidar com as condicionantes e especificidades do contexto em que estão inseridas. Fazem parte do rol de abordagens o uso de materiais e técnicas construtivas locais e adaptação ao clima sem o uso de tecnologias “universalizantes” - entre elas o ar condicionado, a janela fixa e a terraplanagem de terrenos, soluções que poderiam ser aplicadas à arquitetura de qualquer lugar do mundo.
Apesar de inauguradas em 1966, mais de dez anos após as primeiras publicações sobre regionalismo crítico, as Termas de Vals, de Peter Zumthor, se apresentam como uma notável expressão das ideias acerca do tema. Com metade da edificação enterrada na colina e uma cobertura que se constitui em continuidade com o plano inclinado gramado, a obra mescla-se com a topografia do vale. A edificação faz uso, ainda, de camadas de quartzito de Vals, uma rocha encontrada na região - mais uma das características responsáveis por sua forte presença tectônica.
A crítica do regionalismo crítico, baseada na ameaça da universalização, não é direcionada apenas ao modernismo universalizante, mas também a soluções tidas como “populistas” que remontam a determinado passado com um caráter comercial, voltado à cultura de massa. A arquitetura pós-moderna é tida por Frampton como a “personificação” desses ideais, que propõem uma retomada ao passado de forma acrítica, sem levar em conta a consciência do lugar - topografia, contexto, clima, luz e forma tectônica -, como um kitsch ou objeto cenográfico. Tais críticas levaram o arquiteto a se afastar da comissão organizadora da primeira Bienal de Arquitetura de Veneza, em 1980, que tinha como tema "La Presenza del Passato" (“A Presença do Passado”), a partir de uma abordagem pós-moderna.
O regionalismo crítico foi revisitado ao longo dos anos por alguns autores como William Curtis, com a proposta de um "Regionalismo Autêntico" (1986) e Jean-Louis Cohen, com o "Internacionalismo Crítico" (1996), mas cabe se perguntar qual a repercussão de um termo cunhado em um contexto pós-moderno na prática contemporânea da arquitetura?
Recentemente, temos visto um esforço para visibilizar produções fora do eixo dominante mundial (EUA, Europa, Japão) localizadas no chamado Sul global, nas quais questões identitárias entram em pauta como condicionantes de projeto. O regionalismo crítico vem à tona nesse contexto, se não pela ideia de modernizar-se sem perder as origens, pela necessidade de reconhecer as próprias origens e idiossincrasias locais para que os padrões de qualidade ambiental possam ser aprimorados através de maneiras de construir adaptadas ao contexto regional. E, assim, também visibilizar a produção de lugares que por muito tempo foram tidos como “periféricos”.
Referências bibliográficas
- COHEN, Jean-Louis. O futuro da arquitetura desde 1899: uma história mundial. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
- CRUZ, Leandro. Kenneth Frampton publica "Towards a Critical Regionalism". Cronologia do pensamento Urbanístico. Disponível em: <http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1517>. Acesso em: 19 de Dez. 2019.
- FRAMPTON, Kenneth. Towards a Critical Regionalism: six points for an architecture of resistance. In: FOSTER, Hal (Ed.). The anti-aesthetic: essays on Postmodern culture. Seattle: Bay Press, 1983. p. 16-30.
- FRAMPTON, Kenneth. Perspectivas para um regionalismo crítico. In: NESBITT, Kate (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica, 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 504-520.