Há sentido em projetar parques verdes em cidades desérticas como Casablanca, Dubai ou Lima? A princípio sim, por que eles fornecem frescor e vegetação a seus cidadãos, no entanto, é necessário considerar o descarte dos ecossistemas característicos das regiões, além dos altos custos de manutenção e da constante luta pela disponibilidade hídrica.
Por ocasião do concurso para o parque metropolitano no perímetro do Santuário de Pachacamac em Lima, conversamos com a doutora arquiteta e paisagista espanhola Miriam García García, fundadora do LandLab. García reconhece que o verde e o parque já são conceitos antiquados. "Parque é uma palavra tão estranha. O que de fato existem são projetos de paisagem", diz a ex diretora geral de Urbanismo e Organização do Território do governo autônomo de Cantabria, Espanha.
A seguir, García repassa os desafios que este tipo de projeto enfrenta, desde a mudança climática até os benefícios ambientais. "Devemos passar da concepção do jardim à da paisagem como infraestrutura", garante.
1. Os parques devem maximizar os recursos do contexto
"Os parques podem proporcionar conforto à população dentro do leque de ecossistemas próprios da região e dentro destes ecossistemas podem trabalhar com a máxima resiliência, ou seja, maximizando ou aproveitando ao máximo os recursos locais. Em termos concretos, recursos relacionados à água e à fertilidade do solo.".
2. Os critérios de sustentabilidade definem a aparência, não o contrário
"O parque em relação à água tem de funcionar metabolicamente como um edifício. O funcionamento metabólico do parque é o que define os critérios de sustentabilidade para que, mais tarde, a aparência - o que o usuário vai perceber - seja coerente com esse funcionamento. O que se pode fazer com um edifício sustentável num clima de deserto, também se pode fazer com um parque.".
3. Um projeto de paisagismo no deserto deve fertilizar
"Fertilizar uma área não é transformá-la em verde, mas explorar ao máximo sua diversidade fenomenológica e de ecossistemas através de elementos paisagísticos. Esta fertilidade pode ir desde o gradiente máximo do deserto até a situação de maior umidade. Para isso é possível recolher, armazenar e purificar água. A partir daí você começa a trabalhar com uma sucessão ecológica de espécies que talvez, em determinado ponto, possam formar uma pequena massa arborizada, porque talvez estejam ligadas a uma rede de valas de irrigação ou à água retirada de um poço de irrigação.".
4. Em climas desérticos a austeridade também não é a única solução
"Não acredito que devemos defender ao máximo a austeridade ou o deserto, mas é possível capturar a umidade e a pouca água disponível no local para movimentá-la. Hoje em dia estamos começando a criar um vocabulário de infraestruturas verdes com tipologias associadas.".
5. Nem todos os parques precisam ser verdes
"A resposta também não passa necessariamente por pensar que todos os parques em um clima desértico devem ser amarelos, mas sim que a criatividade inscrita na ecologia junto à ética da sustentabilidade - à qual todos estamos submetidos neste contexto antropoceno - é o que deve gerar a inovação do projeto. Isto se manifestará não apenas em sua aparência formal e vegetativa, mas também nas infraestruturas que tornam isso possível.".
6. Leve em conta as condições climáticas do projeto em 2069...
"Como humanidade estamos em uma situação crítica frente aos limites do planeta, ou seja, das condições que nos permitiram a vida na Terra no Holoceno. Um deles é a mudança climática: um projeto deveria considerar se em seu local de implantação a tendência é a uma escassez de recursos hídricos dentro de 50 anos e qual a tendência das condições climáticas.".
7. ...e desenhe o projeto pensando em 2119
"Um parque não deve ser projetado para hoje, mas para que siga funcionando dentro de 100 anos, para que possa seguir a evolução e a sucessão das espécies. O problema para os paisagistas é que nossos projetos levam mais tempo para serem construídos do que os edifícios. Portanto, o tempo é uma variável fundamental desde o início do projeto.".
8. Todo projeto de paisagem deve favorecer a biodiversidade
"Outro limite do planeta que está em crise é a perda de biodiversidade. Isso significa que qualquer projeto de paisagem deveria tender a multiplicar a biodiversidade, ou seja, na medida do possível e dentro das sucessões ecológicas que sejam possíveis a partir de associações ecológicas, deveria favorecer a diversidade.".
9. Um parque é uma infraestrutura
"Eu acredito que os parques são infraestruturas públicas de paisagem. Devemos passar da concepção do jardim à concepção da paisagem como infraestrutura. Passar da concepção de jardim como objeto à da paisagem como máquina, como infraestrutura musculosa que reconecta um lugar com seu contexto.".
10. Uma infraestrutura de paisagem entrega benefícios ao ecossistema
"Um rio, por exemplo, também é uma infraestrutura da paisagem: um corredor ecológico que, ao expandir-se, vai levando sedimentos que fertilizam as terras e se desdobra em diversos benefícios ao ecossistema: significa que há flora e fauna e, portanto, que há alimento ou espécies que podem migrar, ou seja, quando uma paisagem está funcionando como uma infraestrutura, está permitindo os fluxos e intercâmbios de matéria e energia. Isto é autopoiesis: a capacidade de auto-organização que os sistemas têm para se adaptar, fertilizar e sobreviver."