A história da arquitetura demonstra que o uso do material aparente sempre foi algo corrente, seja em antigas técnicas vernaculares ou dentro do movimento brutalista, para citar alguns exemplos. É evidente que a linguagem de um projeto muitas vezes está estritamente ligada ao seu material, pois diversas sensações, assim como a percepção do espaço, são dirigidas pela qualidade estética e física do elemento escolhido. Por este motivo, aqui reunimos dez edifícios que ressaltam a qualidade de seus materiais, seja para fazer um discurso, reinterpretar alguma técnica do passado ou até mesmo para ressignificar a potência de alguns desses elementos.
FAUUSP / João Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi
São Paulo, Brasil
Essa escola de Arquitetura e Urbanismo teve sua construção iniciada em 1966 e concluída em 1969. Os pilares em forma de trapézios duplos fazem com que um grande paralelepípedo de concreto paire sobre o ar, gerando um contraste entre a massa do volume e seus pontos de apoio. Através do térreo livre é possível acessar um grande vazio central que no decorrer de sua permeabilidade, por todos os níveis, permite uma circulação que traz diferentes perspectivas e descobertas desse grande edifício que materializa as ideias democráticas de seus arquitetos.
Museu Histórico de Ningbo / Wang Shu, Amateur Architecture Studio
Ningbo, China
A Amateur Architecture Studio, firma fundada por Wang Shu (vencedor do Prêmio Pritzker em 2012), busca dialogar com a natureza e o patrimônio chinês em seus projetos. Materiais aparentes como cerâmicas ou pedras são constantemente usados, de modo que a própria linguagem arquitetônica se manifesta perante a rápida modernização do caráter arquitetônico chinês.
Pavilhão Barcelona / Mies van der Rohe
Barcelona, Espanha
Obra emblemática do Movimento Moderno, foi construído em 1929 como o Pavilhão Nacional da Alemanha para a Exposição Internacional de Barcelona. Mies van der Rohe traça sua linguagem minimalista através do uso de materiais que se encontram no cerne da modernidade. Seu traço carrega o rigor geométrico em planos horizontais e verticais, e a clareza de montagem através do extenso uso de estruturas metálicas e vidro em toda sua obra. No caso deste projeto, a adoção de diferentes tipos de mármore nas paredes marcam o valor estético deste material que acaba por protagonizar o espaço.
Memorial Steilneset / Peter Zumthor + Louise Bourgeois
Vardø, Noruega
Com um pai carpinteiro, Zumthor teve seu contato com a madeira muito cedo e começou a trabalhar com este ofício a partir de 1958. Anos depois, o arquiteto recebeu o Prêmio Pritzker em 2009 e em 2011 se juntou à artista francesa Louise Bourgeois para conceber o memorial Steilneset. Aqui, a madeira surge como parte da expressão material do pavilhão que se relaciona diretamente com o contexto, inspirando-se nas vastas prateleiras usadas para secar as pescas e caças diárias. Implantada numa região onde, ao longo de aproximadamente 100 anos, homens e mulheres acusados de bruxaria durante o século XVII foram queimados na fogueira ou torturados, a estrutura de 125 metros percorre a praia rochosa e sua vegetação, configurando um marco na região.
Serpentine Pavilion 2018 / Frida Escobedo
Londres, Reino Unido
O pavilhão da arquiteta mexicana possui paredes de telhas de concreto, um teto espelhado curvado e um espelho d'água triangular. Mais um exemplo de como através da simplicidade dos materiais é possível gerar uma complexidade imprevisível. Neste caso específico, as telhas de concreto provocam um padrão que constitui um diálogo com todo o entorno e as superfícies reflexivas, gerando detalhes decorativos e novos olhares sobre este material. As narrativas criadas em seu projeto e a particularidade dos materiais utilizados apontam para uma referência clara aos pátios da arquitetura mexicana e reinterpreta a "celosia", elemento mexicano que funciona como o cobogó para os brasileiros - um fechamento que permite a entrada da brisa e da luz natural.
Centro de Oportunidade para Mulheres / Sharon Davis Design
Kayonza, Ruanda
"Nós escolhemos a ideia de uma aldeia vernacular de Ruanda como princípio de organização: uma série de pavilhões em escala humana aglomerados para criar segurança e comunidade para mais de 300 mulheres", assim a arquiteta descreve seu projeto que pretende criar oportunidades econômicas, reconstruir infraestrutura social, e restaurar o patrimônio africano através da reinterpretação de estruturas circulares. Baseada nos métodos de construção vernaculares locais, as paredes de tijolos perfurados arredondados, que permitem a refrigeração passiva e proteção solar, são a solução encontrada para também manter a privacidade da comunidade.
Escola Secundária Lycee Schorge / Kéré Architecture
Koudogou, Burkina Faso
Nas palavras de Kéré: "A arquitetura não apenas funciona como um marco na paisagem, é também uma prova de como os materiais locais, em combinação com criatividade e trabalho em equipe, podem ser transformados em algo significativo, com efeitos duradouros profundos". Ao inovar na forma como os materiais de construção de origem local são utilizados, o arquiteto usa da sabedoria ancestral para resolver questões de conforto de um modo simples e com uma identidade reconhecível pelos usuários do edifício.
SESC Pompeia / Lina Bo Bardi
São Paulo, Brasil
O conjunto esportivo do Sesc Pompeia é resolvido por volumes de concreto aparente que se conectam por passarelas de concreto protendido. Os edifícios são marcados pelas formas (de madeira, isopor e plástico) utilizadas durante a concretagem. A famosa frase da arquiteta "tenho pelo ar-condicionado o mesmo horror que tenho pelos carpetes", originou a criação das aberturas que permitem a ventilação cruzada nas quadras, estas ela diz que são como "'buracos' pré-históricos das cavernas, sem vidros, sem nada".
Banco de Londres e América do Sul / Clorindo Testa + SEPRA
Buenos Aires, Argentina
Um dos edifícios mais aclamados dentro da arquitetura brutalista, o Banco de Londres e América do Sul apresenta uma composição que introduz uma nova dinâmica ao tecido urbano através de uma linguagem que contrasta com seus vizinhos e é generosa com a circulação dos pedestres. Testa consegue esse primor ao conceber uma leve fachada de vidro que passa quase despercebida ao estar recuada perante a sequência e o ritmo intercalado de diferentes espessuras das colunas de concreto que foram colocadas no perímetro da rua, isso tudo sem citar o fator escultural que os interiores possuem.
Humanidade2012 / Carla Juaçaba + Bia Lessa
Rio de Janeiro, Brasil
Os andaimes muitas vezes estão ocultos e servindo apenas como suporte para outras tendas de eventos efêmeros. Neste caso, o projeto de Carla Juaçaba e Bia Lessa os revelou, trazendo todas as potencialidades de relação com o entorno e permeabilidade que essa opção estrutural crua proporciona. Assim, como elas mesmo desejavam, as interferências da vista e do clima se tornaram também materiais expositivos junto do próprio pavilhão construído. Outra grande vantagem desta solução é a fácil reutilização destes elementos em outras construções.
Nota do editor: Este artigo foi publicado originalmente em 18 de fevereiro de 2020