Entre 1928 e 1930, na cidade de Praga, capital da então Tchecoslováquia, Adolf Loos, com colaboração de Karel Lhota, projetou uma de suas mais influentes obras: a Villa Müller. A casa se tornou não só um marco na trajetória de Loos e na história da arquitetura, mas também um símbolo da expressão do Raumplan, caracterizado por Loos como uma sequência de espaços que, em diferentes níveis e variados pés-direitos, se relacionam e interagem uns com os outros.
Dito de outro modo, o Raumplan é uma forma de projetar a partir do espaço tridimensional, pensando de que forma os variados níveis, bem como as diferentes alturas dos ambientes, podem dialogar para criar atmosferas diversas, que não são ensimesmadas, mas sim inter-relacionadas.
Segundo Loos, a Villa Müller foi o projeto em que pôde realizar da melhor forma a interação e austeridade espacial contida no Raumplan. O conceito ia de choque à linearidade dos planos e ofereceu uma nova percepção em relação aos limites entre os espaços internos da edificação, permitindo assim uma maior conectividade entre eles.
Projetada para o casal František Müller e Milada Müllerová, a casa apresenta uma ampla gama de materiais e revestimentos, como mármore Cippolino de Saillon, mogno e papéis de parede de múltiplas camadas, além de uma variada paleta de cores, fazendo uso de diferentes composições em cada ambiente.
O vasto programa da casa é composto por entrada, hall, sala de estar, sala de jantar, cozinha, galeria, biblioteca, boudoir, banheiro, quarto, vestiários, quartos das crianças, quarto de visitas, além de outros espaços internos e externos. O uso do Raumplan é claramente visível na sala de estar, que se conecta com a sala de jantar por uma escada protegida por uma meia parede, que não impede a visão de um ambiente para o outro. Sem o uso de portas, a sala ainda possui ligação com o hall, que por sua vez tem acesso à entrada; e com o boudoir, através de uma escada privativa.
“Minha arquitetura não é concebida em plantas, mas sim em espaços (cubos). Eu não projeto plantas, fachadas, cortes. Eu projeto espaços. Para mim, não existe pavimento térreo, primeiro pavimento, etc… Para mim, existem apenas quartos, antecâmaras, terraços contíguos e contínuos. Histórias se fundem e espaços se relacionam entre si. Cada espaço requer uma altura diversa: a sala de jantar é certamente mais alta que a despensa - então os tetos são definidos em diferentes níveis. [...]” - Adolf Loos em conversa com K. Lhota, 1930.
Ao contrário dos espaços internos, as fachadas são planos muito mais simples e refletem a desconsideração pelos ornamentos exposta por Loos em seu famoso ensaio “Ornamento e Crime”: as superfícies lisas das paredes, pintadas de branco, são interrompidas apenas pelas esquadrias amarelas.
O conceito implantado inicialmente na Villa Müller tem servido de inspiração para projetos ao redor do mundo, mesmo 90 anos depois da conclusão da obra. Alberto Campos Baeza, por exemplo, projetou uma residência em Madri que adota como nome o próprio conceito por trás do edifício: nele, a noção de distribuição dos espaços em diferentes níveis, de forma não segregante, possibilita campos de visão a partir de seus ambientes. A planta quadrada de 12x12m se divide em quatro planos de 6x6m elevados do solo, quadrado a quadrado, em um movimento helicoidal. Estes espaços, de pé-direto duplo, se interseccionam para produzir "uma diagonalidade também helicoidal", afirma Baeza no memorial do projeto.
Outro projeto, um Edifício Misto em Estrasburgo, na França, do escritório Dominique Coulon & associés também explora essa inter-relação dos espaços com inspiração no Raumplan, estabelecendo espaços de pé-direito duplo em diferentes níveis, com a diferença de abrigar dois programas com esta lógica em um mesmo edifício: estúdio e escritório.
Como uma forma de projetar, o Raumplan manifesta a possibilidade de desenhar interiores para além do uso de mobiliário e elementos decorativos, utilizando a organização em diferentes níveis, bem como a interação entre os espaços como partido arquitetônico, podendo servir como inspiração para projetos contemporâneos mesmo décadas após ser originalmente implementado.
Para mais informações sobre a Villa Müller e o Raumplan, visite o site do Muzeum hlavního města Prahy.
Referências bibliográficas:
- SCHEZEN, Roberto; LOOS, Adolf; ROSA, Joseph. Adolf Loos : architecture 1903-1932. New York: Monacelli Press, 1996.
- Muzeum hlavního města Prahy. “The Villa Müller”. Acessado 05 Mar 2020.