Embora a multidisciplinaridade seja uma das mais interessantes virtudes da formação dos arquitetos e urbanistas, ela pode se confundir com certa imprecisão e desvios a respeito da apreensão das possibilidades práticas da profissão quando interpretada de forma genérica. Vez ou outra, é importante reiterar as particularidades do grande leque que a palavra "projeto" supõe ao campo, já que são elas que produzem tipos de conhecimento específicos e nichos que podem e devem ser ocupados pelos arquitetos.
Neste sentido, muitos termos ligados à arquitetura são usados de forma análoga inadequadamente. Exemplo evidente disso ocorre na forma de referir-se, no que se pode entender de forma ampla, a intervenções em edifícios que já existem. Aparecem as palavras restauro, reforma, retrofit, requalificação, reabilitação de forma extensiva e quase sempre sinônima, o que exige a necessidade de algum esclarecimento.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que todas estas atividades pressupõem projeto. Todas estão ligadas à prática arquitetônica uma vez que demandam uma abordagem ligada ao pensamento do desenho no momento da intervenção. Levando isso em conta, é possível fazer uma primeira grande cisão entre esses termos: restauro é uma disciplina, conhecimento autônomo, que dentro do campo da arquitetura vem, desde o século XIX, discutindo a preservação do patrimônio cultural, enquanto as demais palavras são usadas essencialmente como variações de "reforma".
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Apesar disso, no correr do uso desse vocabulário no cotidiano do trabalho, algumas atribuições são vinculadas a palavras específicas. O mercado adotou o termo retrofit, por exemplo, para lidar com as obras de atualização tecnológica nos edifícios existentes. Existem escritórios especializados nesse tipo de prática, cujo trabalho reside na adequação das construções às normas técnicas locais, e adaptações para tornar os espaços funcionais e modernizados para responder às demandas contemporâneas.
Reabilitação costuma ser atribuída ao tipo de intervenção que pressupõe uma mudança de uso no programa do edifício construído, mas também visa uma atualização e reflexão acerca dos espaços, como em todas as reformas. O mesmo vale para outros nomes, como "requalificação", "remodelação", "renovação", que são todos variações dentro do guarda-chuva de "reforma".
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Há inúmeros exemplos desse tipo de projeto disponíveis, e o que cria o limite para encontrá-los é o fato de que os objetos de intervenção não possuírem valor cultural ou patrimonial a ser preservado. Talvez o mais recorrente seja o de reformas residenciais, que podem explorar a condição da preexistência de forma respeitosa e interessada na manutenção de valores presentes, mas, a princípio, sem compromisso com a articulação de um discurso ou manutenção de uma referência cultural ou patrimonial de interesse coletivo.
O que diferencia fundamentalmente todos as demais terminologias de "restauro" é justamente o valor cultural que este atesta do objeto que sofre a ação de projeto. A disciplina do restauro está interessada em pensar os meios de projeto disponíveis para lidar com preexistências cuja relevância relaciona-se à narrativa histórica ou cultural. Assim, o objetivo de uma intervenção de restauro em geral está relacionado à preservação desse valor, e a forma como isso ocorre varia caso a caso. De fato, na maior parte das vezes, o restauro supõe uma série de reformas e readequações, mas sempre lançadas a um campo de debate e elaboração crítica.
Apesar da notável diferença de abrangência que esses termos convocam, é imprescindível considerar que todos referem-se à prática de projeto. Mais do que isso, os princípios colocados pelo restauro podem ser absorvidos pelos demais tipos de reforma, uma vez que trata-se, ante tudo, de um exercício do olhar sensível para o edifício construído.