Este artigo foi publicado originalmente no Common Edge como "The Mental Disorders that Gave Us Modern Architecture".
Como surgiu a arquitetura moderna? Como evoluímos tão rapidamente de uma arquitetura que tinha ornamentos e detalhes para edifícios que muitas vezes eram vazios e desprovidos de detalhes? Por que a aparência dos edifícios mudou tão drasticamente no início do século XX? A história afirma que o modernismo foi o impulso idealista que emergiu dos destroços físicos, morais e espirituais da Primeira Guerra Mundial. Embora também houvesse outros fatores em ação, essa explicação, embora sem dúvida verdadeira, mostra um quadro incompleto.
Avanços recentes na neurociência apontam para outro fator importante: um dos motivos pelos quais a arquitetura moderna parecia tão diferente das construções anteriores era porque seus principais fundadores do século XX literalmente não viam o mundo de uma maneira "típica". Eles não podiam. Seus cérebros foram fisicamente alterados pelo trauma da guerra ou, como Le Corbusier, eles tinham um distúrbio cerebral genético. E embora suas recomendações para um "bom projeto" - um mundo novo, uma lousa em branco - certamente refletissem seu talento, ambição e motivação, seus remédios também refletiam distúrbios específicos de seus cérebros.
Nos últimos anos, vários autores e médicos descreveram o pai do modernismo, Le Corbusier (1887-1965), o arquiteto suíço-francês, como autista. Escritores, como o crítico e psiquiatra Anthony Daniels, e o biógrafo Nicholas Fox Weber, chegaram à conclusão de que o arquiteto suíço-francês atendia aos critérios diagnósticos para transtorno do espectro do autismo (TEA). Eles relataram suas comunicações sociais prejudicadas, comportamentos repetitivos, fixações anormais (incluindo uma fascinação pelo concreto) e aparente ausência de interesse pelos outros.
“Apesar de todo o seu gênio, Le Corbusier permaneceu completamente insensível a certos aspectos da existência humana”, escreve Weber em Le Corbusier: A Life (Knopf 2008). “Sua fé fervorosa em sua própria maneira de ver o cegou para o desejo das pessoas de manter o que mais prezavam (incluindo edifícios tradicionais) em sua vida cotidiana".
O rastreamento ocular de pessoas com autismo pode nos ajudar a entender por que Le Corbusier permaneceu cego para as opiniões dos outros - ele literalmente não conseguia processar estímulos visuais de forma comum. E o diagnóstico de autismo também pode nos ajudar a entender melhor por que sua arquitetura era daquela maneira. Isso é muito importante. Pois acontece que as pessoas desse espectro frequentemente lutam não apenas com as relações sociais, mas também com a sobrecarga visual conhecida como hiperexcitação. Portanto, não é surpresa, então, que Le Corbusier modernizaria a Villa Savoye, construída perto de Paris no início dos anos 1930, a ponto de sugerir uma caixa sobre palafitas em vez do que era: um retiro no campo de um casal rico. Não é à toa que seu Museu Nacional de Arte Ocidental em Tóquio, Japão, concluído cerca de duas décadas depois, apresentaria tanto concreto branco. Os desenhos de Le Corbusier são uma resposta provável ao seu cérebro atípico; ele estava se esforçando para limitar a estimulação, lutando para acalmar um cérebro agitado.
Pessoas com certos distúrbios cerebrais, incluindo TEA, respondem a estímulos visuais de uma maneira muito distinta. Nas fotos vemos um cérebro “típico” olhando para um gatinho; à direita, um com transtorno do espectro do autismo (TEA). As ferramentas de rastreamento ocular medem os movimentos inconscientes e conscientes e, neste caso, criam uma sombra escura para onde as pessoas olham mais. Essas imagens mostram como um observador típico foca diretamente nos olhos e na área central do rosto, enquanto um cérebro com TEA faz uma abordagem oposta, evita os olhos e o centro da face quase que inteiramente. Essas tendências se propagam para a forma como diferentes cérebros encaram os edifícios:
Observe como uma pessoa no espectro do autismo, à direita, evita detalhes como janelas (que podem sugerir olhos) enquanto um cérebro típico vai instintivamente direto para eles, sem percepção consciente. (Nas imagens acima, os dados de rastreamento ocular criam “mapas de calor” que brilham em vermelho onde os visualizadores mais olham.)
Na Era da Biologia, como o século XXI é agora apelidado, temos novas explicações de por que as pessoas com TEA gostam de simplificar uma cena; elas literalmente têm muitas conexões cerebrais (ou hiperplasticidade). Essa sobrecarga as fazem lutar para se regular emocionalmente ou simplesmente para se manter estáveis durante o dia. Há uma boa razão para Le Corbusier ter escrito sobre odiar a confusão das calçadas lotadas de Paris. “Devemos matar a rua”, ele exorta em Towards a New Architecture (1931). Sua visão da cidade do futuro apresenta torres isoladas, rodovias e nenhuma pessoa à vista; de uma perspectiva autista, essa visão limpa e menos detalhada é simplesmente mais fácil de entender. Dadas as características do distúrbio, torna-se quase previsível.
Talvez de forma tão significativa, Corbu ganhou destaque em um momento extremamente perturbador da história mundial, os anos após a Primeira Guerra Mundial, que lhe rendeu um momento único, sobre isso Anthony Daniels argumenta:
Acho que sua carreira só foi possível após a Primeira Guerra Mundial, com seu terrível deslocamento e perda de confiança na civilização da qual parecia ser o evento culminante.
O impacto da Primeira Guerra Mundial acabou sendo bastante significativo para outros arquitetos modernos fundadores também - por diferentes razões pessoais. Tanto Walter Gropius (1883-1969), que trouxe o currículo moderno para a Graduate School of Design de Harvard na década de 1930, e Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969), que fez o mesmo para o Illinois Institute of Technology, provavelmente sofreram de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ou dano cerebral causado por anos de convocação militar no Exército Alemão, que perdeu mais de dois milhões de homens no conflito de quatro anos.
Os especialistas em trauma de hoje sabem que "o corpo mantém a pontuação", como o Dr. Bessel van der Kolk, fundador do Centro de Trauma de Brookline MA e especialista em TEPT de renome mundial, gosta de dizer. (Ele publicou um livro best-seller do New York Times com o mesmo título em 2014.) A exposição prolongada e repetida a experiências de quase morte muda o cérebro, na verdade o encolhe, mostra uma pesquisa de fMRI. Os sobreviventes perdem a capacidade de interpretar os estímulos ambientais de forma normal ou “neurotípica” e, da mesma forma que o autismo, o transtorno pode comprometer significativamente sua capacidade de compreender e ter empatia com os outros. Quem sofre de TEPT tende a evitar o contato visual, algo que os mentalmente saudáveis buscam constantemente para uma regulação emocional.
As experiências de guerra de Gropius foram particularmente horríveis; gravemente ferido na Frente Ocidental, ele também sobreviveu a um voo em que o piloto foi morto a tiros. Então, quando ele construiu sua própria casa em um subúrbio de Boston, (em Lincoln, MA, 1938) duas décadas depois, e a cinco mil quilômetros de distância de onde viu uma ação militar, ele colocou a edificação no topo de uma colina remota, longe da rua. Sua fachada frontal e forma geral sugerem uma caixa de comprimidos de concreto com teto plano, porta escondida e janelas de fenda para melhor atirar. Seu escritório em casa tem uma janela frontal com um peitoril a mais de um metro do chão - ninguém poderia vê-lo desde fora e ele só podia ver quando estava de pé (não muito diferente de uma trincheira da Primeira Guerra Mundial). O cérebro de um veterano de guerra pode misturar para sempre o passado com o presente, lutando para encontrar segurança constante; as partes aterrorizadas no subconsciente de seu cérebro direcionam cada movimento do projeto.
Novamente, dada a desordem, sua orientação aos alunos para "começar do zero" em seu processo de projeto, ou sua rejeição da história da arquitetura como totalmente irrelevante, torna-se efetivamente reflexiva, uma vez que evitar o passado é uma resposta de TEPT. “Ele não conseguia dormir à noite”, disse um docente em uma recente visita à sua casa em Lincoln, Massachusetts, agora propriedade de uma organização sem fins lucrativos local; a insônia também é um comportamento previsível de TEPT.
Embora o recruta que se tornou Mies van der Rohe não tenha entrado em ação na Guerra, ele era um membro da jovem geração de alemães devastada por ela. Treze por cento dos homens alemães nascidos entre 1880-1899 morreriam em 48 meses; milhões seriam feridos. Testemunhar a morte de amigos e colegas também causa TEPT, de acordo com o Manual Estatístico de Diagnóstico de Transtornos Mentais, v 5. TEPT é muito mais recorrente do que inicialmente pensado. A doença não entrou no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM, até 1980 (uma década após a morte dos pais fundadores modernos), mas especialistas, incluindo Van der Kolk, referem-se a ela agora como "uma epidemia silenciosa".
Por que deveria importar que as pessoas que nos trouxeram a arquitetura moderna no século XX tinham desordens mentais ou danos cerebrais traumáticos? Por um lado, as informações reformulam nossa compreensão de como a arquitetura moderna surgiu. Agora podemos entender melhor, pelo menos em parte, por que os edifícios modernos parecem tão diferentes dos mais antigos ou tradicionais: pessoas com limitações relacionais, "fixações" atípicas e regulação emocional surgiram com uma abordagem arquitetônica diferente, auxiliadas por um mundo ferido correndo para enterrar o passado e uma estrutura de poder econômico disposta a lucrar com isso.
Cientistas cognitivos gostam de dizer “fixações conduzem a exploração” e esta afirmação é verdadeira quer nossos cérebros estejam direcionando nossos olhos para ver anúncios ou arquitetura; o que nossos cérebros nos levam a olhar (ou fixar) inconscientemente é o que iremos nos concentrar conscientemente; com a biometria, podemos "ver" pela primeira vez na história como as pessoas com distúrbios cerebrais, como autismo e TEPT, não fixam ou assumem a realidade de uma forma normativa. Também podemos concluir, portanto, que os arquitetos com esses distúrbios não poderiam ser chamados para criar edifícios nos quais as pessoas precisam ver, sentir e estar no seu melhor.
Também é revelador considerar como o distanciamento que as pessoas costumam sentir em torno de edifícios modernos e ambientes urbanos reflete de perto a desconexão que as pessoas com TEPT e TEA costumam ter em relação aos outros. Tudo faz muito sentido, uma vez que você pensa sobre isso: pessoas que são limitadas em termos relacionais não podem criar uma arquitetura que promova relacionamentos.
E, no entanto, toda a neurociência subjacente aqui sugere algo novo, empolgante e positivo - o caminho a seguir para a arquitetura no século XXI. Compreender que nosso cérebro é um artefato de 3,6 bilhões de anos de evolução molda essa nova direção, assim como aceitar a verdade de que a atividade cerebral inconsciente direciona nosso comportamento consciente. Reconhecer que a percepção humana é relacional, condizente com uma espécie social, preenche este novo quadro para uma arquitetura que promove a saúde humana e o bem-estar social.
Como Steve Jobs disse uma vez: “Quanto mais ampla for a compreensão da experiência humana, melhor será o design que teremos”. Na verdade, se esse princípio orientador pode levar a Apple ao sucesso estratosférico, imagine o que ele poderia fazer como base para a construção de habitats humanos?