Desde sua inauguração no final dos anos 1990, o famoso relógio digital instalado na Union Square de Nova Iorque informava ao mundo com precisão a hora exata, sem nunca ter falhado por nem mesmo um único segundo. Entretanto, recentemente o monumental painel digital da maior cidade dos Estados Unidos parou—mas não por acaso. Isso porque o imenso relógio foi transformado em uma espécie de “Relógio Climático” (ou seria “Cronômetro Climático”) exibindo não mais a hora exata do dia mas uma contagem regressiva do tempo que ainda nos resta—segundo alguns especialistas—para tomarmos decisões em larga escala que possam reverter o processo de aquecimento global. Os dados publicados no relatório especial do IPCC sobre o aquecimento global são de fato alarmantes. Segundo o estudo, nos resta pouco mais de sete anos para que as atuais mudanças climáticas alcancem um ponto de irreversibilidade.
Ainda que concebida como uma instalação temporária e com o intuito de conscientizar as pessoas sobre a gravidade da questão, a presença marcante deste imenso cronômetro em pleno centro de Nova Iorque levantou uma série de discussões e questionamentos, principalmente à respeito dos critérios utilizados no estudo do IPCC para determinar o exato momento em que adentraremos um “caminho sem volta”. Se formos supor que de fato estamos em uma corrida contra o tempo para salvar o planeta, é preciso entender primeiramente que este tempo não é contínuo e tampouco linear. Um relógio climático por excelência deveria ser um mecanismo ativo, capaz de reagir simultaneamente às taxas de emissões e concentração de gases do efeito estufa na atmosfera—sempre que acima de um nível minimamente aceitável. Se formos considerar que algumas medidas podem sim, mitigar o impacto das mudanças climáticas em nosso planeta, um relógio climático deveria ser sensível à estas variações. Isso significa que a sua noção de tempo tampouco deveria ser linear, e muito menos absolutamente regressiva.
Muitos consideram as mudanças climáticas como o problema do século. Suas graves consequências são evidentes: aumento da temperatura do planeta e dos níveis das marés e desastres naturais cada dia mais frequentes e devastadores. Neste cenário, é inegável que a influência das mudanças climáticas sobre a arquitetura se intensifique ao longo dos próximos anos, principalmente na maneira como concebemos e construímos nossos edifícios. Isso também significa que chegou a hora de abraçarmos essa causa, colocando a salvaguarda e o futuro do nosso planeta como um dos nossos principais objetivos como arquitetos e arquitetas.
Embora atualmente estejam à nossa disposição uma infinidade de soluções técnicas—por assim dizer, sustentáveis—para mitigar os impactos das chamadas mudanças climáticas, a maioria destes recursos operam apenas como soluções paliativas e não como a cura para nossos verdadeiros problemas. A arquitetura sustentável hoje, para além de um mero conjunto de selos e certificações, deveria ser entendida como uma rede de cidades conectadas ao redor do mundo que compartilham das mesmas preocupações. Desta forma, a cidade de Xangai poderia contar com recursos semelhantes aos utilizados em Miami, enquanto que as fazendas na zona rural de Indiana poderiam incorporar soluções similares aquelas utilizadas nas montanhas da Suíça.
Quando a Arch Out Loud lançou o concurso internacional de arquitetura “Warming”, a intenção era convocar a comunidade de arquitetos a pensar e propor soluções para os impactos negativos decorrentes das mudanças climáticas. O objetivo do concurso era promover a troca de ideias em busca de um caminho comum, assim como recursos técnicos que pudessem ser apropriados em diferentes contextos, sem fazer referência à um lugar específico – uma espécie de vernacular globalizado atrelado não a um local, mas a uma dinâmica e às questões climáticas compartilhadas pelo mundo todo. O concurso também foi pensado para oferecer uma diversidade de imagens-soluções, contrapondo-se a um mundo cada vez mais saturado de gráficos e estatísticas que pouco tem a dizer, ou que praticamente não nos sensibilizam como deveriam. Como resultado disso, a arquitetura foi utilizada como um recurso para ampliar e democratizar o debate a respeito da crise ambiental que parece pairar sobre o nosso planeta, tornando questões até então abstratas em matéria tangível, permitindo-nos pensar de forma concreta em solução práticas para lidarmos com os desafios que se apresentam para o nosso futuro.
SURFACE EX_TENSION, uma das propostas premiadas no concurso, apresenta uma solução universal—alheia à qualquer contexto geográfico específico—para mitigar o impacto do aumento do nível das marés nas áreas costeiras cultiváveis. Apontando para uma possível expansão das atividades ligadas à aquicultura como solução para este problema, a estrutura proposta pela equipe de arquitetos opera como uma rede integrada capaz de criar um sistema autossustentável, impulsionando o desenvolvimento econômico e a salvaguarda do patrimônio natural ao mesmo tempo que oferece uma nova plataforma para interações sociais em comunidade.
Outra proposta digna de nota, escolhida como a grande vencedora do concurso Warming, foi chamada de “Wind Farm”, ou “Fazenda de Vento”. A ideia por trás do projeto se configura em uma estrutura capaz de absorver e filtrar muitos dos gases do efeito estufa produzidos por animais diretamente na fonte. Desta forma, fazendas de criação de gado contariam com um sistema de coleta e distribuição de gás metano, extraindo e engarrafando o gás para então ser transportado por drones ou canalizados e bombeados até geradores para a produção de energia elétrica. Tudo isso enquadrado em uma nova tipologia arquitetônica que pretende transformar as tradicionais fazendas em uma verdadeira fonte de energia renovável.
Embora bastante especulativas, as propostas apresentadas no concurso são o começo de um amplo debate à respeito das tipologias arquitetônicas do futuro. Além disso, a potência de suas imagens nos ajudam a visualizar com mais facilidade os diferentes caminhos que poderemos encontrar ou explorar ao encarar as mudanças climáticas como um dado de entrada decisivo para o futuro da arquitetura. Os resultados do concurso também nos fazem perceber o quão necessário se faz “pensar fora da caixa”, muito além dos tradicionais recursos paliativos que normalizam a chamada arquitetura sustentável dos dias de hoje. As mudanças mais significativas não virão através de pequenas intervenções como telhados jardins ou sistemas técnicos mais eficientes. As profundas transformações, que a tanto tempo estamos esperando—já com certa ansiedade—serão uma consequência de gestos maiores e atitudes mais ousadas, cidades inteiras construindo redes conectadas que finalmente transformarão a forma como a arquitetura se apresenta e opera.
Enquanto o relógio da Union Square continua sua despropositada contagem regressiva, esperamos que nossos arquitetos e arquitetas continuem sendo criativos—agora mais do que nunca—, pensando e propondo novas soluções para velhos problemas. Ao que parece, lhes foi dado um tempo relativamente curto para que possam provar que uma mudança de tais dimensões não é algo que acontece da noite para o dia mas através de um longo caminho em direção ao futuro.