A existência de centros urbanos como centros de comércio e cultura é milenar. À medida que se desenvolviam as tecnologias de construção, abastecimento de água e transporte, especialmente as embarcações que transportavam grandes volumes de mercadorias e pessoas, as pequenas aldeias se transformavam em centros urbanos.
Em 500 A.C já havia um milhão de habitantes em Roma. Mas foi apenas depois de 1760, após a Revolução Industrial na Inglaterra, que o protagonismo das cidades começa a tomar o seu lugar. Desde então as cidades passaram por grandes desafios e, até o momento, absolutamente nada foi capaz de dissipar as pessoas e desconstruir os grandes centros urbanos.
Até 1700, apenas 5,2% da população mundial vivia em cidades. Londres, uma das precursoras da Revolução Industrial, tinha 450 mil habitantes em 1665 quando foi atingida pelo surto de peste bubônica, a chamada Peste Negra, causando a morte de 15% de sua população.
Em seguida, ocorre o Grande Incêndio de 1666 que destruiu 90% dos imóveis da cidade — sem grandes fatalidades —, que acabou ajudando a matar os ratos e pulgas que disseminavam a peste.
Com a industrialização e a expansão do fluxo comercial e financeiro no Império Britânico durante a Era Mercantilista, Londres se torna a cidade mais populosa do mundo em 1825, com 1,3 milhão de habitantes. À medida que a cidade se industrializava, a demanda por trabalhadores aumentava e os pobres camponeses ingleses migravam para a cidade.
Em 1830, a renda per capita dos londrinos era de US$ 1.749 (nos preços internacionais de 1990), o equivalente à renda per capita de Honduras, Moçambique ou Paquistão em 2003. A palavra “slum”, ou favela, foi criada na Europa Ocidental nesta época para caracterizar os locais pouco drenados e lamacentos, perto das fábricas, às margens dos canais, onde os pobres migrantes se aglomeravam em habitações baratas e superlotadas. O saneamento era inadequado ou inexistente. A qualidade do ar era ruim, com fuligem e poluentes. Diarreia, tifo, doenças respiratórias, sarampo e escarlatina eram mazelas comuns, e a expectativa de vida dos recém-nascidos nestes locais era de apenas 12 anos.
Entre as primeiras tentativas de solução desses problemas estava o estabelecimento de regras para ocupação das residências, a compra, demolição e redesenvolvimento de área de cortiços, e o desenvolvimento junto à iniciativa privada de melhorias de infraestrutura. Na Era Vitoriana (1838 a 1901), o PIB do Reino Unido cresceu em média 2% ao ano e Londres se tornava o centro político do maior império do mundo.
Em 1900, a população de Londres atingia 6,5 milhões de habitantes e a taxa de urbanização da Inglaterra já era de 62% — um país praticamente urbanizado. Nesta época, o Brasil ainda era um país agrário com apenas 23% da população vivendo em cidades. São Paulo tinha apenas 240 mil habitantes. Com 7 milhões de habitantes em 1925, Nova York tomava o posto de cidade mais populosa do mundo. Mas Londres seria ainda bombardeada na Primeira Guerra Mundial,causando quase 5 mil mortes. Sofreria posteriormente as consequências da Grande Depressão de 1929. Mesmo assim, sua população atingiu 8,6 milhões de habitantes em 1939.
Uma mistura de fatores entre invenções tecnológicas, intervenções políticas, declínio de indústrias e um novo bombardeio na Segunda Guerra Mundial, entretanto, causaram um declínio populacional sem precedentes. Entre 1939 e 1991, a população da Grande Londres encolheu 26%, uma queda de 2,2 milhões de habitantes. Deste total, 2,1 milhões emigraram de Inner London — região central com área equivalente à de Belo Horizonte (~320 km²) — onde habitavam 4,45 milhões de pessoas.
No âmbito do planejamento urbano, teóricos desenvolviam projetos e leis para mitigar as consequências indesejadas da era industrial, planejando a ocupação urbana e o sistema de transporte. Concluiu-se à época que a cidade estava superpovoada, com habitações inadequadas, e que tais condições eram indesejáveis. Através da Comissão de Barlow de 1938, os planejadores propuseram a descentralização da indústria. Após a Segunda Guerra, a necessidade de reconstruir 50 mil imóveis e reparar outros dois milhões deu ao Conselho do Condado de Londres a oportunidade para reestruturar a cidade. A palavra de ordem do Plano da Grande Londres era a descentralização da indústria e a realocação de um milhão de habitantes.
Por restrições tecnológicas associadas à arquitetura neoclássica e à altura de escadas de combate a incêndio, Londres se desenvolveu respeitando leis que limitavam a altura de edifícios a 30 metros.
Com a modernização da arquitetura no século 1900, os limites à altura passaram a refletir não mais limitações técnicas, mas o interesse político na preservação da identidade histórica da cidade. Havia também uma preocupação com a elevada densidade e com os congestionamentos, que levou a restritivos índices de aproveitamento do solo nas áreas centrais. A partir da década de 50, construtores só poderiam expandir a oferta imobiliária obedecendo índices de 2,2 a 5,5 vezes a área dos terrenos. Como o estoque imobilizado foi construído com índices entre 1,5 e 10, a lei inviabilizou consideravelmente a expansão imobiliária em Inner London. Nesse tempo, já havia sido construído em Nova York o Empire State Building, com 430 metros de altura e índice de aproveitamento superior a 30.
Em 1952, uma combinação entre padrões climáticos e poluição do ar de indústrias e de automóveis tornou a já conhecida névoa de Londres em uma névoa de ácido sulfúrico concentrado, causando entre 4 e 12 mil fatalidades — o Grande Nevoeiro de 1952. Mas os veículos automotores, entretanto, acabaram sendo os facilitadores de grande parte do êxodo populacional de Londres. Por questões de logística, caminhões de carga permitiram que as indústrias não mais se localizassem próximas às estações de trem ou dos portos, mas em áreas estratégicas para produção e distribuição. Os carros, por sua vez, elevaram o dinamismo do trânsito, permitiram a ocupação de vazios suburbanos e tornaram viáveis o escritório “fora da cidade”, uma tendência acelerada pelo Plano de 1944 e pela Proibição de Brown de 1964 — política de dispersar escritórios que durou uma década.
O aumento da mobilidade e as rígidas leis incentivaram a instalação de indústrias, escritórios e moradias em locais periféricos e rurais, com menores custos e mais comodidades, uma tendência reconhecida como a “desurbanização”. Os setores industriais da cidade, especialmente a manufatura e as docas, que eram fontes significativas de emprego, declinaram. Londres perdeu um milhão de empregos na indústria manufatureira. A queda populacional e de produção significava menos arrecadação e menos capacidade fiscal para manter a infraestrutura e os serviços públicos do município, muito menos financiar planos de desenvolvimento.
A reconstrução da cidade e o novo padrão de mobilidade forneceram um impulso econômico. Na escala nacional, o governo trabalhista de Attlee nacionalizou parte da indústria e, através de políticas fiscais e monetárias nos moldes Keynesianos de gestão da demanda de bens e serviços, ajudou a economia a crescer em média 2,8% entre 1951 e 1973. Durante esse período, a taxa de desemprego nunca foi superior a 2,5%. O Reino Unido, um território menor que o estado do Piauí, era um canteiro de obras. Após o New Towns Act de 1946, foram construídas 28 novas cidades em todo o território britânico onde passaram a habitar dois milhões de pessoas. Mas as regulamentações excessivas, má alocação de recursos e descontrole inflacionário, acabaram causando um fenômeno desconhecido até então: a estagflação.
A estagflação, ou “stagflation”, é um termo originado no Reino Unido nos anos 70, quando ocorreu uma estagnação econômica com elevada taxa de desemprego e alto nível de inflação. Na versão da teoria macroeconômica keynesiana, a inflação e a recessão eram consideradas mutuamente exclusivas. Mas, em 1975, a inflação chegou a 25%, o PIB caiu 4% e a taxa de desemprego subiu para 12%, deteriorando as contas públicas e obrigando o Reino Unido a recorrer ao Fundo Monetário Internacional. As medidas recomendadas pela teoria dominante para remediar o desemprego tornaram-se a causa de uma má distribuição de recursos que tornou inevitável a recessão e o desemprego. A gestão econômica malsucedida e o aumento da hostilidade em relação ao poder estatal, a extensão da propriedade pública e o nível de taxação, culminou na rejeição da política keynesiana no fim da década de 1970.
Assim como o desemprego em massa que sucedeu a crise de 29 deu crédito às ideias de Keynes, os problemas econômicos dos anos 70 e 80 fortaleceram seus críticos. O governo recém-eleito de Margaret Thatcher abandonou formalmente a política keynesiana e afirmou sua crença em uma ordem de mercado com o mínimo de intervenção estatal. Um dos precursores desta reorientação política foi o renascimento do interesse mundial pelas obras dos economistas Friedrich von Hayek e Milton Friedman. O tratamento promulgado na ocasião ficou conhecido como “Terapia de Choque”, e se fez através do controle estrito da oferta de moeda, responsabilidade fiscal, privatização de indústrias, desburocratização do mercado e corte de impostos.
Neste tempo, as cidades transitavam naturalmente de uma base econômica industrial para uma base econômica de serviços. As reformas pró-mercado e a desburocratização, principalmente da indústria financeira — conhecida como o “Big Bang” de 1986 — e da construção civil, fomentaram a recuperação econômica e o crescimento populacional em Londres nas próximas décadas. Restritivas leis de uso do solo foram abolidas em locais vitais. Áreas obsoletas ou pequenos edifícios antigos deram lugar a edificações de 300 metros de altura, como o The Shard. Novos edifícios corporativos preencheram o centro da cidade e elevaram a densidade de empregos para 82 mil trab/km². Os novos empregos atraíram residentes e a densidade de Inner London subiu 30%, para 10 mil habitantes por km². Uma nova onda de globalização e integração econômica, promulgada também pela União Europeia em 1991, atraiu imigrantes e investimentos, e o crescimento se tornou a história de Londres nos trinta anos seguintes.
A cidade de Londres atualmente é mais definida como local de práticas comerciais ou mercantis, variando de seguros a atividades de corretagem, de negociação em mercados secundários a prestação de serviços profissionais.
A indústria financeira representava, em 2007, aproximadamente 18% do PIB de Londres e 9,5% da sua força de trabalho, com 393 mil empregos distribuídos entre as modernas edificações do centro, em City of London — também conhecido como Square Mile —, e em Canary Warf, complexo de edifícios comerciais na região oeste da cidade. A cidade possuía filiais ou subsidiárias de 250 bancos estrangeiros, quase o dobro do número presente em Nova York, e era sede de um terço das 500 maiores empresas do mundo. Mas o mercado financeiro causaria em 2008 uma recessão mundial e colocaria o sistema político e econômico em cheque novamente.
A forte presença de instituições financeiras internacionais em Londres e o papel da cidade como um centro financeiro global fez com que ela se tornasse especialmente vulnerável à crise. O emprego na área financeira caiu 8% entre 2007 e 2009 e os efeitos não foram piores porque políticas nos moldes keynesianos foram aplicadas para socorrer os bancos e estabilizar a economia, impedindo uma crise de efeitos ainda mais catastróficos.
As mesmas políticas estão sendo implementadas hoje, desta vez, por causa da pandemia do Sars-CoV-2, o novo coronavírus. A imposição de lockdowns em centros urbanos, com o fechamento de atividades não essenciais, motiva os governos a providenciarem recursos para a subsistência das pessoas e empresas, se endividando no processo.
Inúmeras catástrofes moldaram as cidades mundiais ao longo da história. Cidades foram incendiadas e inundadas, encararam doenças e guerras e, mesmo assim, se reergueram com mais vigor, aumentando os padrões de saúde, segurança e sustentabilidade em cada renascimento.
Por séculos os cidadãos abandonaram suas casas em tempos de problemas, mas sempre voltaram e reinventaram suas cidades. É provável que a pandemia influencie em como as empresas avaliam suas localizações atuais e futuras, com foco na continuidade dos negócios perante os riscos potenciais de futuras pandemias. Mas as cidades sempre foram e continuarão sendo centros de trabalho, inovação, cultura, lazer e prosperidade.
Em um universo condicionado pelo tempo, no estado de desenvolvimento tecnológico atual, e contando que preservemos nosso sistema econômico, as pessoas e empresas continuarão se beneficiando dos grandes centros urbanos.
Via Caos Planejado.