Cercado ao sul, leste e oeste pelo Oceano Atlântico, o estado da Flórida, nos Estados Unidos, possui um litoral de mais de dois mil quilômetros de extensão e é caracterizado pela grande presença de lagos, rios e poços em todo o seu território. Com booms de crescimento significativos ao longo do tempo, sobretudo no último século, o rápido desenvolvimento de bairros, comunidades e cidades no estado frequentemente incorporaram os recursos hídricos abundantes no território, nem sempre de forma bem sucedida.
Ao longo da história, os usos da terra na Flórida foram diretamente influenciados pelos recursos naturais, pela geomorfologia e pelo clima da região. Seu território passou por mudanças significativas causadas pela ocupação humana, sobretudo a partir do século XX, quando enfrentou um crescimento populacional mais acelerado, impulsionado inicialmente pelo surgimento de novas rodovias e ferrovias, pelo fomento ao turismo e pela difusão de campanhas de marketing para atrair turistas e moradores para o estado.
Uma das primeiras ondas de crescimento significativas na Flórida aconteceu após a Primeira Guerra Mundial, quando a classe média americana tinha tempo e recursos para viajar ao estado. Com cidades pensadas para atrair turistas e, ao mesmo tempo, atender às necessidades de pessoas interessadas em comprar casas, surgiram comunidades, destinos e atrações na Flórida que, ao fragmentar o território e introduzir espécies invasivas, causaram grandes mudanças nas paisagens naturais do estado.
Após a Segunda Guerra Mundial, surge outro boom de crescimento, quando o estado passou de 2,7 milhões de habitantes, em 1950, para 6,7 milhões, em 1970. Com novas opções de financiamento e novas técnicas construtivas que diminuíram os custos das casas, mais pessoas foram atraídas para a região. Os incorporadores criaram comunidades nos subúrbios que muitas vezes incluíam shoppings, escolas, parques e centros comunitários, além de canais e lagos criados para maximizar a quantidade de propriedades à beira d’água e valorizar os imóveis.
O planejamento urbano que acompanhou o crescimento populacional do estado, aliado à criação e incorporação de corpos d’água, levou ao aparecimento de cidades como Boca Raton, Delray Beach, Boynton Beach, Naples e Cape Coral — as três primeiras localizadas no condado de Palm Beach, no sudeste do estado, em que 17,3% da superfície é coberta por água. Como um recurso que pode ser usado em empreendimentos para criar ambientes atrativos, promover efeitos visuais, acústicos e recreativos, a água foi integrada ao planejamento destas localidades de forma estratégica.
A partir da observação de imagens aéreas destas localidades, é possível notar as diferentes formas em que os traçados urbanos, lagos e canais foram desenvolvidos e incorporados ao planejamento territorial de cada cidade. Variáveis como o uso do solo, a possibilidade de realização de atividades aquáticas (como a pesca, nado e navegação) e a integração a outros canais navegáveis da região foram moldando a conformação destes corpos d’água em conjunto com a distribuição dos terrenos, com resultados que exploram formas sinuosas e serpenteantes.
Nem sempre, no entanto, o manejo dos recursos hídricos foi bem sucedido. Antes do desenvolvimento da área hoje ocupada pela cidade de Cape Coral, no sudoeste do estado, a água era amplamente distribuída na superfície e em aquíferos rasos. Segundo Hubert Stroud, professor de Geografia na Arkansas State University, esses recursos se degradaram assim que os desenvolvedores do Cape Coral começaram as operações de subdivisão do território. Particularmente devastadores para os recursos hídricos, segundo Stroud, foram o layout, o projeto e as técnicas construtivas utilizadas. Ao invés de desenvolver o projeto em etapas gerenciáveis, a área foi dragada, preenchida e segmentada com canais e estradas muito antes da sua ocupação. A malha resultante das estradas e ângulos retos é quebrada por canais ocasionais que seguem uma forma mais sinuosa.
O local onde hoje está localizada Cape Coral era pantanoso e servia como uma área de recarga hídrica – ou seja, havia infiltração da água no solo e reabastecimento de aquíferos. Com o desenvolvimento da cidade houve uma grave degradação dos recursos hídricos, causados ainda pela erosão do solo, escoamento das águas e o descarte inadequado do esgoto.
Em um estado fortemente marcado pela presença de recursos hídricos tanto no litoral como no interior, na superfície ou no subterrâneo, muitas cidades e comunidades os consideraram elementos-chave no planejamento urbano e exploraram seus mais diversos potenciais. A aliança entre cidades planejadas e recursos hídricos na Flórida revela, além dos curiosos padrões dos traçados das ruas e dos canais vistos em fotografias aéreas, as intrincadas relações entre água e terra no contexto urbano e como, mais que um recurso estético ou paisagístico, a água é um elemento fundamental na infraestrutura das cidades.
Referências bibliográficas
- STROUD, Hubert. Water resources at Cape Coral, Florida. Problems created by poor planning and development. Land Use Policy, Vol. 4, No. 2. Abr. 1991.
- VOLK, Michael et al. Florida Land Use and Land Cover Change in the Past 100 Years. In: Chassignet, Eric et al (Eds.). Florida’s Climate: Changes, Variations, & Impacts. Gainesville: Florida Climate Institute, 2017.