Foi-se o tempo em que eram bem vistas as arquiteturas que se fechavam para dentro de si, nas quais seu envoltório seria, não como um moderador do clima exterior no ambiente interno, mas uma barreira inerte e independente. Inúmeros equipamentos mecânicos, elétricos para ventilar, para aquecer, para resfriar. Uma completa máquina.
Hoje se pensa cada vez mais na interação da arquitetura com meio no qual está inserida, fazendo com que nós arquitetos assumamos a responsabilidade do conforto térmico dos ambientes, utilizando estratégias de projeto para uma climatização natural.
Nesse processo, as estratégias chamadas de passivas – mecanismos naturais de condicionamento – ganham uma proporção fundamental no processo de projeto, buscando a harmonia entre o ambiente natural e o espaço construído, levando em consideração as particularidades de cada inserção como o microclima local e seus recursos naturais.
Apesar dessas estratégias variarem muito conforme o local onde o projeto está inserido, alguns preceitos básicos devem ser sempre considerados quando se trata do alcance passivo de conforto térmico em um ambiente. Além de ser imprescindível trabalhar com a ventilação e iluminação natural, inclui-se nas estratégias passivas o uso adequado de materiais que podem auxiliar na inercia térmica e também elementos compositivos pontuais como vegetação interna, espelhos d’água, entre outros.
Para nos aproximarmos das principais estratégias passivas de conforto térmico, separamos, a seguir, alguns projetos residenciais que exemplificam sua aplicação.
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A ventilação natural é uma das estratégias mais usuais quando se fala em conforto térmico dos ambientes correspondendo à utilização das diferenças de pressão para mover o ar fresco pelos espaços internos. Na ventilação cruzada, por exemplo, o posicionamento das aberturas em zonas de pressão opostas favorece fluxo de ar como é o caso da Casa Lee, projetada por Marcio Kogan e Eduardo Glycerio, na qual as grandes portas de correr diminuem a temperatura da principal área de estar, ou na Casa FVB com suas treliças vermelhas feitas em madeira permitindo que o ar circule pela residência.
Ainda se tratando de ventilação, é possível tirar proveito do efeito chaminé, no qual o ar mais quente e mais denso sobe e o mais frio desce, nesse caso ressalta-se o uso de pé-direito duplo para favorecer essa troca de ar, como na Casa da Preguiça, no Guarujá, São Paulo, que juntamente com a boa luminosidade e ventilação cruzada, elimina a necessidade de ar condicionado.
Além disso, a utilização de pátios internos é uma estratégia compositiva de projeto usada há muitos séculos que auxilia diretamente no resfriamento passivo das edificações, como na Casa Pátio Infiltrado, construída no clima quente de Mérida, no México, ou nos exemplos equatorianos Casa do Silêncio e Casa entre árvores que variam entre um pátio semi-coberto com pouca vegetação e um totalmente aberto com espécies de grande porte.
Quando se fala em iluminação natural, além do básico que se refere a grandes planos ensolarados para os climas frios, deve se dar especial atenção a necessidade de sombreamento. Uma proteção solar corretamente projetada deve evitar os ganhos solares nos períodos mais quentes, sem obstruí-los no inverno e sem prejudicar a iluminação natural das aberturas. Nesse sentido, há muitos elementos de projetos que poderiam ser utilizados aqui, entre eles os mais comuns são os brises, como no caso da Casa Boipeba, que são construídos em ripas de madeira ou na Casa Soul Garden, com brises metálicos micro perfurados.
Há também a invenção genuinamente brasileira e muito utilizada pois permite fluxo do ar ao mesmo tempo que impede a radiação solar, os cobogós vistos na Casa Lima ou na Casa L106, obras separadas pelo oceano mas que estão inseridas em climas muito similares.
Além disso, em se tratando da história das edificações brasileiras, podemos ver perceber também o uso marcante de varandas e grandes beirais, incluindo aqui como exemplo um clássico da arquitetura que é a Casa Valéria Cirell da Lina Bo Bardi, envolta por uma aconchegante varanda, que originalmente era coberta em palha.
Os materiais selecionados para o projeto também assumem um papel fundamental quando se fala em conforto térmico por meio de estratégias passivas. No caso das edificações inseridas em climas muito quentes, os materiais podem ajudar tanto na “transpiração” da casa, como também como barreira térmica impedindo ganhos solares. Já no caso das edificações construídas em climas mais frios, eles podem elevar a inércia térmica da edificação auxiliando na retenção do calor, liberando-o durante o período noturno. Alguns materiais com capacidade térmica elevada são concreto, alvenaria, cerâmica maciça e pedra, vistos em diversos projetos como na Casa em La Pereda, construída no clima espanhol ou a Casa Semi-enterrada também na Espanha, que usa a própria de terra do solo para criar inércia térmica adequada ao clima.
Quando abordamos elementos pontuais de projeto para auxiliar no conforto térmico da edificação vale citar o uso de elementos de água, um dos mais antigos e mais eficientes métodos de se refrigerar de forma passiva uma edificação, principalmente, em climas secos. O chamado resfriamento evaporativo baseia-se no processo de evaporação da água que retira calor do ambiente ou do material no qual a evaporação acontece. Como exemplo aqui, trazemos outra obra emblemática da arquitetura brasileira, a Residência Nivaldo Borges, do Lelé, onde o estar íntimo e a sala de estudo são entremeados por jardins e por um marcante espelho d’água, ou um exemplo mais contemporâneo, como a Casa Bacopari, do UNA Arquitetos, construída em São Paulo.
Por fim, quando se fala em conforto térmico, não se pode deixar de citar a importância da vegetação, tanto nos espaços internos quanto nos externos, já que, ela tem um papel importante na atenuação incidência solar e na obtenção de um microclima que proporciona melhores condições de conforto térmico. Dentre muitos exemplos que utilizam a vegetação como estratégia projetual citamos aqui a Casa Tropical MM que, como o próprio nome, diz está inserida em um ambiente tropical do sudeste asiático, e portanto, utiliza a vegetação como estratégia para mitigar a incidência do sol e o ganho solar.
Há ainda, aqueles projetos que apresentam vegetação na cobertura proporcionando maior conforto térmico no interior da edificação, reduzindo assim, os gastos com energia para aquecimento ou resfriamento dos ambientes. A Casa LLP, construída na Espanha, é um interessante exemplo, já que, a fim de maximizar o desempenho ambiental e térmico, seguindo os requerimentos das clientes de criar uma casa passiva, além no telhado jardim, são vistas também estratégias para compactação da edificação, captura e proteção solar, resistência térmica e ventilação cruzada.
A busca por uma edificação de alta grau de conforto térmico, atingido por meio de estratégias passivas, requer criatividade e astucia na sua arquitetura, muitas vezes reinventando aplicações de materiais ou revisitando soluções vernaculares. Entretanto, para aplicar corretamente as estratégias projetuais de conforto térmico, é primordial conhecer as particularidades do local onde a edificação está ou será implantada, compreendendo a orientação solar e direção dos ventos por meio de estudos de geometria e insolação. Além disso, projetos de grande êxito neste quesito costumam combinar diferentes estratégias para alcançar as melhores condições de conforto térmico.
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Publicado originalmente em 1 de março de 2021.