Se a carreira de uma mulher na arquitetura já enfrenta mais obstáculos que a de um homem, como têm comprovado estudos e pesquisas em todo o mundo, as disparidades ficam ainda mais óbvias quando se trata de parcerias que envolvem ambos os gêneros. Na história da disciplina é possível encontrar uma série de exemplos de parcerias em escritórios ou projetos específicos que evidenciam as discrepâncias nos reconhecimentos obtidos pelos trabalhos, que se revelam em premiações, honrarias, citações e salários.
Muitas destas parcerias tratam-se de casais que, como em qualquer relação de sociedade, projetam e tomam decisões de trabalho de forma conjunta. Mas, no caso particular dos casais heterossexuais de arquitetos, o papel de "esposa" parece ter prevalecido sobre aquele de colaboradora, arquiteta ou sócia igualitária em muitas ocasiões.
Em Couplings, um artigo publicado em 1999, Beatriz Colomina considera que o mito do arquiteto “solo” ou “gênio isolado” é uma das noções mais retrógradas e reacionárias da arquitetura, mas ainda uma das mais difundidas.
Enquanto parcerias como a de Alison e Peter Smithson, de Denise Scott Brown e Robert Venturi, de Charles e Ray Eames e de Liz Diller e Ricardo Scofidio ganharam notoriedade pela sua atuação conjunta e os arquitetos são citados frequentemente de forma indissociada, outros exemplos na história da arquitetura revelam de forma nítida o apagamento de muitas arquitetas mulheres em detrimento da ascensão dos seus maridos.
Mas, mesmo nos casos em que as parcerias são conhecidamente indissociáveis, as injustiças estão presentes. Talvez o caso mais emblemático seja o do Prêmio Pritzker concedido a Robert Venturi em 1991 por uma carreira construída conjuntamente com Denise Scott Brown. À época, o júri citou numerosos projetos concluídos junto a Scott Brown, além de citá-la como sua colaboradora na evolução da prática e teoria arquitetônicas das três décadas precedentes. No entanto, o prêmio, considerado a maior honraria do campo arquitetônico, foi concedido apenas ao arquiteto.
Ray Eames, que trabalhou lado a lado ao seu marido Charles em projetos artísticos, arquitetônicos e de mobiliário, também sofreu apagamentos ao longo da vida, não sendo reconhecida em algumas ocasiões por instituições como o MoMA, o New York Times e a Universidade de Harvard, como aponta Colomina em seu texto.
Se por um lado as injustiças e invisibilizações não deixam de acontecer em escritórios co-liderados por casais de arquitetos, um apagamento ainda mais evidente pode ser percebido nos casos do estrelato de arquitetos notoriamente reconhecidos de forma individual. Nesses casos, muitas das arquitetas são frequentemente citadas com referências aos seus maridos, enquanto o contrário não costuma ocorrer, como Aino e Elissa com Alvar Aalto ou Delfina Gálvez e Amancio Williams.
Outras arquitetas como Lilly Reich, Charlotte Perriand, Eileen Gray e Marion Mahony, que não foram casadas com os grandes nomes da arquitetura com os quais colaboraram, também costumam aparecer em segundo plano. Enquanto Mies van der Rohe, Le Corbusier e Frank Lloyd Wright historicamente assumiram os papéis de grandes nomes da arquitetura, referenciados de forma individual pelo conjunto da sua obra, as arquitetas que colaboraram nos projetos sofreram apagamentos. Mahony, a primeira mulher a receber uma licença para atuar como arquiteta em Illinois, Estados Unidos, é responsável pelos desenhos que as pessoas lembram ao pensarem em Frank Lloyd Wright. Mas, enquanto os nomes dos arquitetos homens tornaram-se mundialmente conhecidos de forma individual, os das mulheres ainda parecem desconhecidos ou são sempre referenciados aos arquitetos com os quais trabalharam.
No início do século XX, muitas "mulheres encontraram uma forma de ingressar no campo da arquitetura colaborando com seus maridos", comenta a arquiteta argentina Inés Toscano, fundadora do projeto Couplings’ Tactic. Lin Huiyin (1904-1955) – pioneira na documentação do patrimônio arquitetônico chinês na década de 1930 junto ao seu marido Liang Sicheng (1901-1972) – não foi admitida na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Pensilvânia pois à época era considerado impróprio que as mulheres jovens trabalhassem até tarde da noite, sem supervisão, com jovens homens. Enquanto Lin diplomou-se em Belas Artes, Liang seguiu o curso de Arquitetura, mas sempre trabalharam juntos enquanto historiadores da arquitetura e tornaram-se os mais conhecidos preservacionistas da China.
Como uma iniciativa para cartografar criticamente o trabalho em casal de arquitetos e as suas estratégias em direção à igualdade de gênero na arquitetura, o projeto Couplings’ Tactic já mapeou 395 casais de arquitetos nas diferentes regiões do mundo desde 1880. Através desse levantamento e mapeamento, a pesquisa levanta questões em torno da colaboração íntima e criativa por trás do legado arquitetônico de grandes nomes da arquitetura em uma busca pela revisão do star system.
A investigação do trabalho colaborativo de casais de arquitetos – que, aliás, vão muito além daqueles ocidentais e heterossexuais – pode ser, segundo Toscano, um caminho para abordar as disparidades no campo em diferentes níveis. A partir do entendimento da produção arquitetônica enquanto fruto de um trabalho coparticipativo, a arquiteta diz que o campo se abre para novas leituras sob a ótica da colaboração, interdisciplinaridade, diversidade e tolerância.