Iluminação como linguagem: os significados da luz e da sombra na arquitetura

Imagine se a luz, além de nos permitir enxergar o mundo, fosse também capaz de transmitir informações e significados. Padrões mensuráveis de iluminação natural, traduzidos em níveis de ‘lux’ recomendados para determinadas tarefas, levaram a uma compreensão quantitativa da luz. No entanto, a arquitetura se apropria da luz natural não apenas para cumprir requisitos formais e padrões matematicamente calculados. A iluminação natural é utilizada, sobretudo, para transmitir emoções, revelar espaços e construir atmosferas. Dito isso, poderíamos afirmar que a iluminação é uma forma de linguagem utilizada pelos arquitetos para se comunicar com as pessoas? Desde uma perspectiva semiótica, poderemos melhor compreender como a luz e a sombra contribuem para a construção de significado na arquitetura.

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Semiotic design layers for architectural lighting: Space, texture, light, and luminaires. Rendering layers: Axel Groß. . Image Courtesy of ERCO

Do ponto de vista semiótico, podemos perceber a luz como uma espécie de código ou informação, a qual gera uma identidade específica para um determinado espaço. Podemos até considerar que, variações na qualidade da luz de um ambiente pode provocar mudanças de comportamento nos usuários. Quando nos sentamos à mesa para um jantar romântico à luz de velas, o brilho quente que ilumina o ambiente a nossa volta o transforma em um cenário aconchegante e até poético. Neste sentido, podemos dizer que o forte contraste entre a luz e a sombra é uma qualidade fundamental para a criação de atmosferas íntimas em diferentes espaços construídos. Fachadas externas decoradas com luzes e bem iluminadas expressam esse mesmo desejo transportado para o lado de fora da arquitetura. Em uma menor escala, vemos a busca por um ambiente intimamente iluminado na volta das lâmpadas incandescentes ou lâmpadas de bulbo com tecnologias LED.

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Illustration of daylight openings in ground plan, section and perspectives for the Fondation d'Art Contemporain François Pinault, Paris (France). 2001. Architect: Tadao Ando. . Image © a+u (Ando 2002)

Aprender a manipular a luz de diferentes formas não é apenas útil para transformar ambientes internos ou edifícios existentes, o controle da luz natural e artificial é fundamental também para o processo de projeto de novos edifícios e espaços. Saber identificar os principais elementos que compõe a imagem e atmosfera de um dado espaço é o primeiro passo dessa longa caminhada. Formalmente, o espaço construído é definido pela arquitetura. Mas não só. A iluminação, por sua vez, pode ser um elemento fundamental na construção do espaço: seja através do uso da luz natural, seja por meio de luminárias como objetos de design.

As diferentes camadas que compõe o espaço podem ser vistas em projetos como o Memorial Eisenhower projetado por Frank Gehry, onde paredes de pedra natural contrastam fortemente com as superfícies de aço inox, um jogo materiais e texturas que procura simbolizar a costa da Normandia na qual soldados americanos desembarcaram no Dia D. O projeto de iluminação, desenvolvido pelo L'Observatoire International, enfatiza a materialidade destas texturas através de um inteligente uso e manipulação da luz. De forma complementar, as luminárias foram elegantemente integradas à paisagem e a arquitetura.

O trabalho com a luz indireta e difusa, por sua vez, é uma importante ferramenta explorada por arquitetos para a criação de ambientes que expressam tranquilidade e relaxamento, como por exemplo, refletores de luz ou aberturas zenitais. Tadao Ando, um dos mestres do uso e controle da luz natural em projetos de arquitetura, desenvolveu uma série de diagramas em planta, corte e perspectiva para ilustrar as diferentes qualidades de luz e condições de iluminação criadas para seu projeto da Fondation d'Art Contemporain François Pinault em Paris.

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Workshop building Landscheide, Sankt Peterzell / Switzerland. Architecture: kit. . Image © Ruedi Walti

“Aprendendo com Las Vegas: O Simbolismo Esquecido da Forma Arquitetônica” (Venturi et al.1977) e “A Linguagem da Arquitetura Pós-Moderna” (Jencks, 1977), podem ser consideradas duas das mais significativas contribuições no campo da semiótica na arquitetura. Em seu livro publicado em 1977, Charles Jencks explorou como a arquitetura e seus elementos pode ser entendida a partir de um ponto de vista simbólico, como uma metáfora e até um clichê. Para Jencks, componentes arquitetônicos como janelas e colunas podem representar “palavras” e conceitos portadores de significado. Por exemplo, o significado de uma determinada solução construtiva pode ser alterado e manipulado, como quando os moradores intervém na arquitetura para melhor adaptar o edifício às suas necessidades.

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The Rookery, Chicago, Illinois, 2011. Architecture: Daniel Burnham and John Wellborn Root, 1888. Lighting design: Office for Visual Interaction. Photo by Adam Daniels. . Image © Adam Daniels Photography

A abordagem semiótica também é importante em projetos de intervenção em edifícios históricos, onde a iluminação pode ser utilizada para ressaltar determinadas características especificas de um edifício e o significado original da estrutura como um todo. O edifício Rookery, projetado por Daniel Burnham e John Wellborn Root em 1888 na cidade de Chicago, foi tombado pelos órgãos do patrimônio histórico local em 1970 como um dos primeiros arranha-céus com estrutura de aço a ser construído no país. Embora na época muitos edifícios similares contassem com um sistema de iluminação de fachada com lâmpadas elétricas, os arquitetos responsáveis pelo projeto do Rookery achavam a solução pouco confiável e por isso, decidiram por não instalar um sistema de iluminação de fachada no edifício. Em se tratando de uma estrutura tombada, uma atitude estritamente preservacionista não permitiria a adição de um sistema de iluminação de fachada, pois transformaria a aparência noturna original do edifício. Ainda assim, a escolha pela estrutura de aço em uma época onde se construía majoritariamente apenas com concreto e tijolo, é um indício que os arquitetos expressavam um grande interesse em novas tecnologias. Esta foi a justificativa utilizadores pelos designers de iluminação do Office for Visual Interaction, os quais propuseram um sistema de iluminação em LED extremamente sofisticado embutido na caixilharia. A nova iluminação de fachada não se pretende neutra e tampouco historicista, ainda assim, ela preserva a uniformidade do edifício ao iluminar apenas os caixilhos das janelas enquanto a superfície da fachada permanece tal e qual era em seu estado original.

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Light in Water, 2015. Paris. Architects: DGT Architects. Photographer: Takuji Shimmura. . Image © DGT Architects

Tratar a luz como uma linguagem ou forma de comunicação é algo que ainda suscita muita discórdia entre os críticos. Entretanto, alguns deles confundem o conceito de linguagem com o de estilo. Ao tratar com estes elementos de forma isolada, eles acabam caindo em um discurso estético e que portanto, se afasta de uma reflexão de caráter semiótico. No uso da linguagem, por exemplo, algumas palavras e expressões podem ser utilizadas para substituir umas às outras em determinados casos, mas não sempre. Por exemplo, um caixilho comum feito para uma janela de vidro transparente por ser preenchido com vitrais coloridos. Isso seria o equivalente a introduzir uma palavra nova de um outro idioma à nossa língua. Preencher o mesmo caixilho com tijolos poderia ser visto como algo absurdo, no entanto, tenho certeza de que todos nós já vimos algo parecido com isso pelo menos uma vez na vida. Certas marcas, por exemplo, optam por criar espaços mal iluminados com a intenção de criar uma atmosfera misteriosa que pretende estimular a curiosidade dos seus clientes, como é o caso da Hollister; outras por sua vez, preferem a transparência com a intenção de atingir o mesmo resultado, como é o caso das lojas da Apple.

Finalmente, abordar o projeto de iluminação a partir de uma perspectiva semiótica nos ajuda a focar na qualidade da luz. Considerar os possíveis significados que um jogo de luz e sombras bem articulado pode proporcionar à arquitetura, nos ajudaria a desenvolver soluções de iluminação melhores, mais sustentáveis e eficientes para nossos edifícios.

Para saber mais leia também:

Thomas Schielke (2019) The Language of Lighting: Applying Semiotics in the Evaluation of Lighting Design, LEUKOS, 15:2-3, 227-248, DOI: 10.1080/15502724.2018.1518715

Light matters, é uma coluna mensal sobre luz e espaço, ela é escrita por Thomas Schielke. Vivendo na Alemanha, Schielke é fascinado por iluminação arquitetônica e trabalha para empresa de iluminação ERCO. Thomas já publicou numerosos artigos e foi co-autor dos livros “Light Perspectives” e “SuperLux”. Para mais informações visite os sites www.erco.com, www.arclighting.de ou siga-o em @arcspaces.

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Sobre este autor
Cita: Thomas Schielke. "Iluminação como linguagem: os significados da luz e da sombra na arquitetura" [The Language of Lighting: How to Read Light and Shadow in Architecture] 08 Jun 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/961727/iluminacao-como-linguagem-os-significados-da-luz-e-da-sombra-na-arquitetura> ISSN 0719-8906

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