Historicamente, o desenvolvimento das cidades se dá de forma lenta e gradual. Paisagens urbanas transformam-se constantemente à medida que enfrentam novas questões sociais, econômicas e políticas, a tal ponto que nos é difícil apontar apenas uma única razão pela qual o espaço urbano e construído se modifica ao longo do tempo. Mais recentemente, em razão dos muitos desafios que nossas cidades enfrentam, muitos arquitetos e arquitetas têm começado a se perguntar sobre como poderíamos construir um futuro melhor para nossas cidades e, principalmente, para as pessoas que nelas habitam. Neste longo e inexorável processo de evolução, muitas vezes a razão pela qual construimos nossas cidades de uma maneira e não outra tem a ver mais com uma linha de pensamento dominante do que com as condicionantes sociais, econômicas, políticas e também geográficas as quais arquitetos e urbanistas deveriam tentar responder.
As calçadas pelas quais caminhamos todos os dias, os parques que costumamos frequentar, as escolas em que estudamos ou as creches as quais levamos nossos filhos não encontram-se em seus lugares por um mero acaso. A localização da infraestrutura urbana de uma cidade, de seus serviços e espaços públicos normalmente respondem a uma infinidade de princípios que foram—ou deveriam ser—cuidadosamente avaliadas e analisados por aqueles que planejam nossas cidades. O processo de planejamento urbano é talvez a mais importante ferramenta à nossa disposição para garantirmos que as cidades que construímos sejam mais equitativas, acessíveis e sustentáveis. Entretanto, em muitos casos, urbanistas e planejadores encontram forte oposição à medida que procuram implantar políticas urbanas que procuram atender a todos sem excessões, distribuindo eqüitativamente a infraestrutura pública e os serviços urbanos fundamentais. Ao longo do século XX, talvez a batalha mais famosa entre duas linhas de pensamento concorrentes foi aquela travada entre Jane Jacobs e Robert Moses, os quais defendiam duas visões completamente distintas para o futuro da cidade de Nova Iorque.
Na virada da metade do século XX, a cidade de Nova Iorque estava enfrentando uma série de problemas que vinham se arrastando por décadas. Um novo sistema viário e rodoviário estava sendo projetado, novos edifícios e bairros residenciais deveriam ser construídos para abrigar a crescente população da maior cidade dos Estados Unidos. Enquanto muitos arquitetos e arquitetas celebravam um momento de vacas gordas com muitos encargos e comissões públicas e privadas, Jacobs e Moses estavam mais preocupados com as futuras consequências daquele intenso processo de re-desenvolvimento urbano da cidade de Nova Iorque. Acontece que, eles defendiam pontos de vista completamente divergentes: enquanto Moses advogava a favor da destruição e reconstrução de muitos bairros da antiga cidade de Nova Iorque, Jacobs acreditava que era necessário preservar tudo aquilo que já existia e funcionava, principalmente em relação ao espaço urbano e a vitalidade característica de suas principais ruas e avenidas. Um dos locais que estava no centro deste debate e no olho do furação da reurbanização do centro de Nova Iorque era o Washington Square Park, uma infraestrutura pública que serve a uma área de vizinhança de mais de 4 hectares. Robert Moses defendia que para a cidade seguir evoluindo era preciso construir uma nova rodovia no local, demandando a destruição do parque e mais de 416 edifícios residenciais, 365 lojas de departamentos e 480 estabelecimentos comerciais, algo que resultaria no deslocamento de mais de 2.200 famílias apenas no SoHo e em Little Italy.
Quando Jane Jacobs soube disso tudo, ela muito rapidamente decidiu agir, criando um movimento popular em defesa dos bairros ameaçados pelas políticas de Robert Moses—tentando a todo custo evitar a construção do complexo do LOMEX e a via expressa da Baixa Manhattan. Neste processo de luta em defesa da cidade e de seus habitantes, Jane Jacobs escreveu manifestos, foi às ruas para angariar fundos e reunir pessoas. Nesta dura batalha para salvar a Nova Iorque que ela conhecia, Jacobs chegou a ter informantes escondidos dentro da prefeitura, pessoas que a mantinha informada e a par das audiências públicas organizadas por Moses de última hora.
Curiosamente, os dois só se encontraram pessoalmente em uma única ocasião, e era raro que um reconhecesse ou até mencionasse a existência do outro. Hoje todos sabemos quem ganhou esta batalha, e muitos são aqueles que costumam comparar estes dois personagens com Davi e Golias. Sem dúvida, a vitória da Nova Iorque de Jacobs é um dos exemplos mais inspiradores para aqueles que buscam defender a preservação de estruturas urbanas existentes, engajando comunidades como uma ferramenta de mudança.
Não foram apenas Jane Jacobs e Robert Moses a travarem importantes lutas no que se refere ao futuro de uma cidade. Planos ousados e até utópicos foram idealizados e defendidos por importantes arquitetos pelos quatro cantos do mundo. Daniel Burnham foi responsável pelo ousado plano que pretendia transformar a cidade de Chicago, Le Corbusier re-imaginou o futuro de Paris através de seu célebre Plano Voisin enquanto Ebenezer Howard foi quem idealizou o conceito de Cidade Jardim. Embora a maioria destes projetos nunca tenha chegado às vias de fato, as cidades com as quais eles sonhavam serviram de inspiração para toda uma geração de arquitetos. A moral da história do caso de Robert Moses e Jane Jacobs, é que embora seja necessário toda uma equipe para planejar e construir uma cidade, às vezes basta uma única pessoa para salvá-la.