“Do problema da locomoção derivam-se todos os demais da urbanização.” Foi em 1882 que o urbanista espanhol Arturo Soria y Mata proclamou tal afirmação e em resposta a ela criou e implementou o conceito de cidade linear. Baseado em uma doutrina funcionalista, este modelo de cidade renuncia a estruturas tradicionais como praças e quadras, subordinando o desenho aos traçados de circulação na sua configuração espacial mais racional, a reta.
A cidade linear, em sua concepção original, seria composta por uma espinha dorsal em forma de via urbana de comprimento ilimitado – a qual, segundo Soria y Mata, poderia ligar Pequim a Bruxelas – cortada por pequenas vias perpendiculares de 200 metros de comprimento oferecendo acesso às habitações e trabalhos. No centro dessa enorme via central seria implementada toda a infraestrutura urbana básica para abastecimento da cidade (tubulações para água, energia etc.), além dos equipamentos públicos relacionados às necessidades básicas da população, como saúde e segurança. Sendo uma crítica às cidades policêntricas, esse modelo acredita na dispersão como elemento organizador, defendendo um urbanismo “eficiente e equitativo”, ou seja, nas próprias palavras de Soria y Mata, “terrenos a bom preço e comunicação rápida, frequente e econômica”, eficiência esta que decorreria da tecnologia do transporte coletivo – na época, o trem. Seus argumentos de condenação às cidades circulares e cidades jardim estavam baseados, portanto, na inacessibilidade financeira dos terrenos centrais; no congestionamento nos centros das cidades e na marginalização da população que habitasse a periferia.
Além do bairro experimental no subúrbio de Madri, erguido sobre os preceitos do urbanista espanhol no final do século XIX, alguns outros exemplos de aplicações podem ser vistos, como é o caso de Brasília. A capital do país pode ser considerada um exemplo de cidade linear justamente por sua configuração baseada nos eixos que cortam e dão forma à urbe. Lúcio Costa também aplicou os mesmos preceitos quando desenhou o plano urbanístico para o bairro da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, assim como Kenzo Tange o apresentou no seu plano monumental para a baía de Tóquio.
Apesar dos argumentos para sua aplicação terem sido bem pontuados na época – concomitantemente à invenção do automóvel –, os exemplos práticos demostraram que o modelo não seria capaz de resolver os problemas para os quais foi criado. Entretanto, muito do seu fundamento teórico permanece até hoje podendo ser visto nos sistemas de transporte super-rápidos (trem-bala) que interligam diferentes cidades em um curto espaço de tempo ou em planejamentos inovadores como o caso da The Line, uma cidade linear de 160 quilômetros de extensão planejada para ser construída na Arábia Saudita.
Nessa versão de quase dois séculos depois, a “cidade será composta por uma série de comunidades caminháveis livres de carros e avenidas, com capacidade para um milhão de pessoas. O projeto será organizado de modo a disponibilizar todos os comércios e serviços essenciais dentro de um raio de cinco minutos a pé a partir das habitações”, em uma mistura entre a forma linear anunciada por Soria y Mata e o novo modelo de urbanismo que muito se tem discutido hoje, as “cidades de 15 minutos”.
A persistência do conceito até os dias atuais reforça a sua importância dentro da história do urbanismo, com uma ampla difusão que possibilitou maior inclusão dos transportes rodoviários nas cidades ao redor do mundo e que até hoje serve como uma utopia inspiradora.
Publicado originalmente em setembro de 2021.