Segundo Gerard Peet, em The Origin of The Skyscraper, a primeira vez que a palavra arranha-céu obteve denotação arquitetônica foi no início da década de 1880. Ela apareceu em artigos de jornais como o Chicago Daily, enfatizando a crescente criação de edifícios altos em Nova York.
Judith Dupré, em seu livro sobre a história dos skyscrapers, se refere aos arranha-céus como “divas elevadas”, “ícones da cidade”, “estrelas de cinema”, “símbolos do poder” que comandam a cena urbana de nossas metrópoles.
Por vezes, são protagonistas premiados como eficientes poupadores do espaço urbano, em outras ocasiões, vilões do consumo de luz e ar. Adjetivos como esses permitem antever a complexidade que abrange o imaginário da tipologia arranha-céu.
No Brasil não é diferente. Uns veneram e julgam necessários os arranha-céus enquanto outros condenam a tipologia como o que há de pior no ambiente urbano. Mas há um fato a ser dito: estes “ícones” estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano. Segundo o Council On Tall Building and Urban Habitat (CTBUH), a cada ano se constroem mais arranha-céus.
Recentemente, circularam imagens nas redes sociais de uma possível edificação ultrapassando os 500 metros de altura, com 154 pavimentos, em Balneário Camboriú, Santa Catarina. O grupo FG Empreendimentos pretende construir o arranha-céu residencial mais alto não só do Brasil mas do mundo.
Isso leva à seguinte pergunta: o que ocorreu com o arranha-céu brasileiro para não estar presente nas grandes capitais do país e sim virar notícia em uma cidade de cerca de 150 mil habitantes?
Anos 20, 30 e 40
Tardiamente, em comparação aos arranha-céus norte-americanos, os primeiros edifícios a romper a escala das cidades brasileiras surgiram na década de 1920 no Rio de Janeiro, capital do país na época, e em São Paulo.
Diferentemente do padrão americano construído em aço, o principal modelo estrutural era o concreto aramado. O estilo arquitetônico seguido, porém, era o mesmo em boa parte das vezes, o art déco.
O Edifício A Noite, concluído em 1928 no Rio de Janeiro, é considerado o primeiro arranha-céu do Brasil. Com 103 metros, o edifício de uso comercial destoava das demais edificações construídas ao longo da cidade.
Em “Diálogos Verticais: arranha-céus na paisagem urbana brasileira”, Paulo César Garcez Marins reflete sobre a altura do edifício em relação às inspirações parisienses nos bulevares da capital: “[…] era quase um farol de modernidade na entrada da capital do país, sinalizando a adesão às escalas e ao estilo da modernidade que emanavam de Nova York, acolhendo forasteiros ao entrar no Rio de Janeiro”.
Apenas um ano depois, em 1929, São Paulo ultrapassaria o Rio de Janeiro na corrida rumo aos céus, com o Edifício Martinelli atingindo 106 metros de altura. Sua linguagem arquitetônica, sinaliza Marins, já nascia ultrapassada em relação aos arranha-céus erguidos simultaneamente nos Estados Unidos, até mesmo em relação ao art déco do Edifício A Noite.
A liderança do Edifício Martinelli como o mais alto prédio do Brasil durou até 1947, quando, na mesma São Paulo, um edifício inspirado no Empire State Building rompeu a barreira dos 30 pavimentos, atingindo 161 metros de altura. O Edifício Altino Arantes foi sede do Banespa e, por quase 18 anos, o edifício mais alto de toda América do Sul.
O arranha-céu representava as ambições nova-yorkinas que a capital paulista desejava. Porém, assim como ocorreu com o Martinelli, “seu estilo art déco já estava ultrapassado quando o prédio foi entregue, depois de oito anos de construção”, afirma Raul Juste Lores, no seu livro “São Paulo nas Alturas”. Isso porque no final da década de 1940 o estilo moderno de arquitetura já começava a ganhar espaço país afora.
Anos 50 e 60
Os anos de 1950 e 1960 foram marcados por um boom na construção civil que alcançou as demais capitais dos estados brasileiros.
Nessa época, a arquitetura moderna atinge seu auge no mercado imobiliário, e arranha-céus emblemáticos começam a ser construídos em diversas cidades, como o Conjunto JK, em Belo Horizonte, e o Edifício Santa Cruz, em Porto Alegre.
O período também é visto como uma transição entre as leis de gabaritos de ruas — a largura da rua ditava a altura e volumetria da edificação — para a implementação dos primeiros planos diretores.
Em 1953, era apresentado o projeto do Edifício Itália, com 165 metros de altura. Com 52.000m² de área construída e um coeficiente de aproveitamento equivalente a 22 vezes a área do terreno, o arranha-céu foi destinado para o uso de escritórios, enquanto sua base serviu de sede para a instituição Circolo Italiano, e a cobertura, para um restaurante.
O formato elíptico é oriundo da ideia do arquiteto de posicionar a volumetria do edifício em diagonal no terreno para buscar uma maior altura e aproveitamento para edificação. Os brises-soleil móveis ditavam certa irregularidade na fachada, e, ao mesmo tempo, protegiam contra a incidência solar.
Sua hegemonia durou apenas um ano, pois o edifício Palácio W. Zarzur, também conhecido como Mirante do Vale, atingiu 170 metros de altura quando concluído em 1967. Localizado na parte mais baixa do Vale do Anhagabaú, o projeto trouxe fachadas inteiramente revestidas de vidro, característica que começava a vir a ser explorada nas edificações.
Anos 70 e 80
Durante as décadas de 1970 e 1980, nenhuma edificação ultrapassou a altura do Mirante do Vale, mas o Rio de Janeiro voltou à cena. O período é marcado pela consolidação dos planos diretores, em que edificações isoladas no lote — projetadas a partir de cálculos de altura e coeficiente de aproveitamento — passaram a reger a paisagem urbana em boa parte das cidades brasileiras.
Enquanto em São Paulo a construção de edificações em altura diminuía, devido ao seu plano diretor, no Rio de Janeiro houve um crescente aumento de arranha-céus de escritórios na zona central da cidade.
David Cardeman e Rogerio G. Cardeman contam em “Rio de Janeiro nas Alturas” que nessa década foram liberadas as alturas das edificações, tornando-as independentes de cálculos do alinhamento, desde que a área total da edificação não ultrapassasse 25 vezes a área do terreno.
Desse modo, os arranha-céus mais altos construídos nos anos 70 foram o Edifício Santos Dumont, o Edifício Conde Pereira Carneiro e o Centro Candido Mendes,todos com mais de 40 pavimentos. Essas edificações se inspiravam nas fachadas de vidro projetadas por Mies van Der Rohe em Nova York e Chicago.
Nos anos 80, um pouco afastado do Centro, no bairro Botafogo, foi construído o edifício que é ainda hoje o mais alto da cidade. O Rio Sul Center, projeto brutalista com 163 metros de altura, foi construído sobre um shopping center e teve seu uso voltado para escritórios. Esse arranha-céu carioca foi beneficiado pelas legislações da década de 1970 que permitiam grandes alturas afastadas das divisas, sobre pavimentos de garagens sem afastamentos.
Anos 90 e 2000
As décadas de 1990 e 2000 também não tiveram arranha-céus que ultrapassassem a altura do edifício Mirante do Vale, mas apresentaram algumas características relevantes. A principal foi que as edificações mais altas passaram a ser construídas em bairros afastados das zonas centrais. Outro ponto a ser destacado é a aparição de arranha-céus de uso residencial.
Em “Verticalização em São Paulo: a produção da cidade difusa e excludente”, Nádia Somekh atenta que esse aumento da verticalização em bairros afastados estava ligado a uma tentativa de criação de novas centralidades, que resultou na construção de edifícios ao longo da Marginal Pinheiros como Birmann 21, Torre Norte e a E-Tower.
É importante destacar o baixo coeficiente de aproveitamento dos lotes em relação aos arranha-céus do passado. Essas novas edificações possuíam grandes terrenos com enormes áreas de estacionamento para poderem chegar as alturas atingidas.
O uso residencial aparece em meados dos anos 2000 com o complexo Parque Cidade Jardim, de 158m de altura. O conjunto de sete edifícios de apartamentos de luxo, construído sobre um shopping center, apresenta fachadas ornamentadas que buscam reinterpretar o estilo neoclássico de arquitetura, que virou moda em São Paulo nessa década.
Anos 2010 até o momento
De 2010 em diante, o arranha-céu brasileiro se transforma e ganha força em outros contextos. São Paulo deixa de possuir o edifício mais alto do Brasil, enquanto cidades de menor expressão populacional e econômica, como Balneário Camboriú e Goiânia, passam a disputar o primeiro lugar na corrida rumo aos céus.
Além disso, segundo estimativas do CTBUH, outras quatro cidades terão edificações mais altas que a capital paulista até 2023. São elas: Ponta Grossa-PR, Rio Verde-GO, João Pessoa-PB e Itapema-SC.
Após o Mirante do Vale ter permanecido por 47 anos como o prédio mais alto do país, foi concluído o edifício Millennium Palace, em Balneário Camboriú, com 177 metros de altura. A edificação, que possui um apartamento por andar, também reinterpreta as antigas edificações neoclássicas.
Edificações desse porte passam a surgir à beira da praia de Balneário Camboriú, que autorizou coeficientes de aproveitamento de 6, acrescidos de bônus construtivos de instrumentos como a Outorga Onerosa e a Operação Urbana Consorciada.
A cidade passa a atingir a maior concentração de prédios com mais de 170 metros de altura no país, o que levou Balneário Camboriú a ganhar o apelido de “Dubai brasileira”.
Em Goiânia, o Órion Business & Health Complex foi concluído em 2018 e passou a ser a primeira edificação próxima dos 200 metros no país. O arranha-céu de 191 metros de altura é revestido por pele de vidro, possuindo três volumetrias com alturas distintas em sua composição. Cada volume é separado por diferentes usos: escritório, hospital, hotel e shopping.
Após alguns meses da conclusão do Órion Business & Health Complex, três empreendimentos em Balneário Camboriú já ultrapassavam a altura do arranha-céu goiano.
A Infinity Coast Tower, de 2019, é hoje o edifício concluído mais alto do país, com 235 metros de altura. Desenvolvida pelo grupo FG Empreendimentos, a edificação de uso residencial possui boa parte de sua fachada em pele de vidro e ornamentos que remetem aos arranha-céus do Oriente Médio.
Com previsão de conclusão em 2022, a Yachthouse Residence ultrapassa os 280 metros de altura. Esse arranha-céu, composto por duas torres, pretende ser o edifício residencial mais alto da América Latina. Isso acontecerá se caso seu vizinho, o One Tower, também com previsão de término em 2020, não obtenha a aprovação do CTBUH para que seu pináculo, a 290 metros de altura, seja elemento arquitetônico parte da edificação.
Uma verdadeira disputa pelos céus do Brasil se passa hoje na cidade de Balneário Camboriú.
Paulo César Garcez Marins corretamente afirma que: “os arranha-céus do Brasil constroem hoje um skyline difuso, que horizontaliza a verticalização em vários quadrantes”.
O Brasil possui uma condição singular na sua corrida de construção de arranha-céus. Enquanto em outros países as edificações mais altas costumam estar nas maiores cidades, no Brasil essa tipologia avança pelo interior do país.
Em cidades como Nova York e Londres, os arranha-céus se concentram na área central, mas em São Paulo surgem em áreas mais periféricas. Um exemplo é o edifício Platina 220, que está para ser inaugurado a 8 quilômetros do Vale do Anhangabaú, e será a construção mais alta da cidade. Esta quebra de paradigma está intrinsicamente ligada ao avanço dos planos diretores nos anos 70 e 80, ganhando força nas décadas seguintes.
A corrida pelos céus do Brasil é singular no sentido de que apenas em um curto período houve, de fato, uma identidade de arquitetura atribuída a elementos característicos brasileiros, a exemplo do Edifício Itália.
Nos demais períodos, a imagem do arranha-céu está sempre ligada à alguma referência vinda de fora, muitas vezes ultrapassada em relação às tendências contemporâneas na arquitetura. E o que se pode dizer das nomenclaturas das edificações que passam da língua portuguesa para diversos outros idiomas? Seria isto a visão de um Brasil globalizado, associado à imagem de um mundo universal, ou puramente um fetiche brasileiro?
Via Caos Planejado.