Por entre imensas colunas gregas, a porta centralizada pelo frontão convida a adentrar ao templo, ou à casa. É inegável a sensação de pequenez. Do norte ao sul do país, esta é uma cena recorrente, não há bairro de classe média alta que escape de uma edificação neoclássica.
Gregos e romanos dominavam perfeitamente a função da arquitetura como representação de poder. Com suas proporções exatas, imponência, verticalização, sobriedade e materiais nobres, a arquitetura conhecida como clássica deu origem a inúmeras obras icônicas, reverberando nos estilos renascentista e neoclassicista. Seja pelo peso histórico dessas edificações, pela imaginário coletivo ou por uma influência específica da cultura europeia e norte-americana (grande entusiasta do estilo) a arquitetura da classe média alta no Brasil tem se rendido a este modelo, reproduzindo frontões e colunatas a séculos (e quilômetros) de distância da sua origem histórica.
Nessa predileção estética é possível perceber uma série de metáforas sociais associadas à própria edificação, reforçando a ideia de que a arquitetura cria significados sociais para além de suas funções práticas, sendo uma expressão da sociedade e do meio onde está inserida. Na profusão de imagens, signos e referências advindos da mídia globalizada em meio a qual vivemos hoje, são adotados valores e visões como se fossem autenticamente próprios, expressando visões supostamente avançadas e hegemônicas. A reprodução do modelo dito como neoclássico nas arquiteturas abastadas de hoje em dia parece, portanto, se relacionar ao imponente status que a edificação representa ou deve representar.
Onipresente não apenas nas casas dos condomínios de classe média e alta, mas também em edifícios em altura, este estilo arquitetônico faz uso dos elementos clássicos, mas sua repetição em série e diminuição do tamanho original – referenciando inclusive construções históricas específicas – aproximam as edificações também da Pop Art e da estética kitsch.
Essas duas associações representam contrapontos fundamentais para entender a sociedade moderna, principalmente porque a ideia do kitsch evoca a contradição entre autêntico e cópia, a aura da obra de arte e sua reprodutibilidade técnica. Entre colunas e frontões é possível perceber uma popularização dos elementos, uma relação estrita com a cultura de massa, o que gera, por sua vez, uma notável inconsistência. Para transparecer imponência e singularidade, a almejada sofisticação não vem de uma inovação visual, mas de ícones estéticos popularizados importados do passado. Recria-se nessas arquiteturas um realismo pop, defensor de uma natureza artificial que expressa e reforça estereótipos, se aproximando ainda da ideia do pastiche, a imitação descontextualizada de elementos. Algo entre a paródia e a sátira, realizando-se no caráter ambivalente de homenagem e cópia.
Os projetos de interiores também não estão alheios a esta forte influência, e muito disso vem da popularização de programas de televisão estadunidenses que postulam uma série de diretrizes recorrentemente desejadas pelos telespectadores nas reformas de seus lares sem levar em conta diferenças estruturais básicas entre os países, principalmente no uso do steel e wood frame em contraposição com as nossas construções de alvenaria. Nesse sentido, cabe aos arquitetos lidarem com a decepação dos contratantes quando o “conceito aberto” não pode ser aplicado. Além disso, os mobiliários de estilo provençal assim como o “rústico moderno” das farmhouses são desejos rotineiros nos projetos de interiores, trazendo à tona uma colagem de estilos e elementos decorativos. Com isso, volta-se ao ambiente kitsch, criando um “galpão decorado”, para citar o conceito de Venturi, onde a ornamentação é aplicada independentemente do espaço e da estrutura.
Vale ressaltar ainda que ideia do condomínio, por si só, já vem importada de uma cultura baseada na tentativa de reprodução dos subúrbios estadunidenses no “autêntico” American Way of Life, criando complexos fechados afastados dos centros cidades que incentivam a segregação e a cultura rodoviarista. Entre muitos, alguns dos bairros mais conhecidos no Brasil que postulam essa interferência são a Barra da Tijuca (RJ), na qual as mansões são substituídas por prédios de luxo, ou o bairro Jurerê Internacional (SC), famoso pelas enormes mansões que servem exclusivamente para veranear.
Das arquiteturas, aos nomes dos condomínios (Golden Coast, Sunset Drive, New Paradise etc.) e réplicas da Estátua da Liberdade, o fascínio pela linguagem neoclássica e pela cultura importada ainda está muito presente no século XXI, reverberando uma experiência urbana e estética do passado na tentativa de glamorizar os espaços.
Nesse sentido, não se pode negar o sucesso mercadológico da fórmula que condiciona a uma reprodução em série como aposta comercial e estratégia de marketing. A liderança dessa preferência estética representa, portanto, o status do consumidor atual na síntese conservadora da sociedade que prefere formas importadas, que remetem ao autoritarismo e colonialismo, em detrimento de soluções mais autênticas e contextualizadas.
Vale ressaltar que esse assunto ganhou mídia especialmente na metade do ano passado com a tentativa do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, de instaurar a lei intitulada “Making Federal Buildings Beautiful Again”, a qual obrigaria que todos edifícios públicos construídos em seu mandato fossem projetados no estilo neoclássico. Segundo o comunicado, o ex-presidente considerava que o estilo transmitiria dignidade, vigor e estabilidade – quiçá a mesma retórica de Albert Speer, arquiteto de Adolf Hitler, quando usou o mesmo estilo para as obras do Terceiro Reich. Em contraponto à promulgação de Trump, o Instituto Americano de Arquitetos (AIA) publicou uma carta aberta assinada por seus membros na qual enfatizava que as decisões de projeto cabem ao arquiteto e à comunidade, não aos “burocratas de Washington, DC”. O projeto de lei não foi implementado, no entanto, não se pode negar que – ao que parece – uma crise moral vem sempre acompanhada por uma crise estética.