Ao longo da história, a arquitetura evoluiu como uma testemunha das transformações políticas, socioeconômicas e tecnologias de seu tempo, assumindo diferentes formas, estilos e significados. Os distintos movimentos que caracterizam a história da arquitetura surgiram de uma insatisfação com o status quo, marcando uma clara ruptura na linearidade do seu processo de desenvolvimento e muitas vezes inspirados por questões de caráter ideológico ou tecnológico. Talvez um dos momentos mais emblemáticos na história da arquitetura tenha sua raíz na figura de Adolf Loos e em seu desejo de romper com a tradição ornamental na arquitetura em favor da simplicidade—estabelecendo a pedra fundamental para o surgimento do movimento moderno.
Na Europa do início do século XX, o discurso arquitetônico estava fortemente influenciado por um urgente desejo de mudança, um novo estilo que estivesse de acordo com o espírito da época e que fosse capaz de resistir ao rápido processo de transformação que a sociedade contemporânea estava experimentando. Acontece que a ornamentação ou decoração ainda era a principal ferramenta de ênfase utilizada por arquitetos para ressaltar determinados valores e princípios. No caso específico da cidade de Viena, onde surgiu o movimento da Secessão Vienense, Adolf Loos—como o seu mais obstinado crítico—passou a condenar o uso de ornamentação excessiva na arquitetura, censurando fortemente os seus principais expoentes e difamando cada uma de suas obras construídas. Em seu famoso ensaio crítico entitulado “Ornamento e Crime”, Adolf Loos proclamou que “a evolução se materializa com a remoção dos ornamentos e superfluidades dos objetos de uso cotidiano”. Para além disso, ele se opunha ferrenhamente à maneira burguesa e aristocrata como as pessoas levavam as suas vidas na capital, advogando em razão do desejo humano inato por um estilo de vida simples e íntegro. Loos acreditava que, ao remover o “excesso” e a “desordem” que o ornamento provocava, a arquitetura seria capaz de transformar as pessoas e consequentemente toda a sociedade moderna de acordo com os princípios e valores fundamentais de seu tempo.
No entanto, a influência da figura de Loos na gênese da arquitetura moderna vai muito além de sua admiração pela simplicidade das formas—tanto que muitos de seus projetos da época são considerados hoje mais racionalistas que modernistas. Acontece que Loss estava mais preocupado com a qualidade e fluidez do espaço interior do que com a materialidade de suas fachadas. Ele estava interessado no uso do espaço e de que forma os usuários experimentavam o deslocamento de um ponto para o outro em seus edifícios. Projetada e construída pelo arquiteto em 1930, a Villa Müller talvez seja o símbolo máximo da arquitetura que Loos perseguia. Suas fachadas singelas e despojadas assim como as poucas aberturas com caixilhos pintados em um amarelo vibrante, dizem pouco ou quase nada sobre as qualidade do espaço que se revela no interior da casa. Uma vez do lado de dentro, nos encontramos em um hall ladeado por paredes revestidas em mármore cipollino italiano verde-esmeralda, uma estética unanimemente aceita e recorrentemente encontrada em muitos projetos de casas modernas. Cada um dos aposentos parece assumir um estilo próprio, importado de diferentes épocas e lugares, levando em consideração a fluidez e a multiplicidade de formas de apropriação. Com o projeto da Villa Müller Loos leva seu conceito de Raumplan ao limite, estabelecendo diferentes camadas espaciais continuas que se desdobram através dos espaços da casa. Isso significa dizer que cada ambiente conta com uma altura de pé-direito diferente, a qual responde as necessidades programáticas específicas. Desta forma, o projeto da Villa Müller não se desenvolve em planta, mas em volume—com o arquiteto explorando todas as dimensões do espaço vazio para dar forma a estrutura da casa.
Sobre o seu conceito de Raumplan, Loos certa vez disse: “Na minha arquitetura não existe térreo, primeiro pavimento, etc…. Para mim, existem apenas espaços contíguos, contínuos, salas, antessalas, terraços etc. As histórias se fundem com os espaços e vice-versa. Cada ambiente exige uma altura, um volume diferente: a sala de jantar deve ser seguramente mais alta do que a despensa, de forma que o forro varia continuamente de altura no interior da casa. Criar espaços onde estas variações de altura passem desapercebidas, mas que também sejam práticas e factíveis, pode até parecer um grande desafio, mas é disso que a minha arquitetura se alimenta.”
Muitas das ideias exploradas por Loos no projeto da Villa Müller foram posteriormente refinadas por Le Corbusier e também por Mies Van Der Rohe além de uma série de outras figuras ilustres do movimento moderno e que finalmente romperam definitivamente com a ornamentação na arquitetura. A maneira como os projetos Loos permanecem atemporais ainda nos dias de hoje, embora tenham sido criados para responder a um contexto específico de quase um século atrás, faz de sua obra um dos pilares fundamentais do movimento moderno na arquitetura. Quase 100 anos depois, seus edifícios permanecem atuais em termos de forma e espaço, além de fundamentalmente adequados à vida das pessoas que neles residem.