Maria Carlota de Macedo Soares nasceu em 1910 em Paris, onde o pai – responsável por um dos jornais mais influentes do Rio de Janeiro, o Diário Carioca – estava exilado. Criada em meio à elite, Lota chega ao Brasil em 1928, com 18 anos, e foi muitas vezes definida como uma figura controversa que gostava de carros de corrida, usava calça jeans e camisas masculinas e teve um discreto, porém duradouro, romance com a premiada poetisa americana Elizabeth Bishop.
Entretanto, nenhum dos seus feitos se tornou mais memorável do que o seu fundamental papel na construção do Parque do Flamengo, na década de 50. Foi por meio dessa obra faraônica que Lota materializou sua preocupação genuína com o espaço público no Brasil e seu desejo incessante de reconciliar a cidade e seus habitantes.
Em uma urbe imersa em exuberante natureza, o Aterro do Flamengo emerge como um dos encantos construídos pelo homem. O “Central Park Tropical” foi concebido e gerenciando por Lota de Macedo Soares que, debruçada sobre a varanda do então governador de Guanabara, Carlos Lacerda, com vista privilegiada para os entulhos que se transformariam em parque, ela sugeriu e recebeu tal incumbência.
O governador já havia se impressionado com o talento e energia de Lota ao conhecer sua casa, projetada por ela mesma em parceria com o amigo arquiteto Sergio Bernardes. A Casa da Samambaia, em Petrópolis, foi premiada pela Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo em 1951, surgindo em meio a paisagem com sua arrojada estrutura metálica – primeiro projeto residencial no Brasil com esse método construtivo.
Essa ousadia materializou-se igualmente na construção do Aterro do Flamengo quando Lota montou e coordenou a equipe desengavetando o desenho urbano de Affonso Reidy e o convencendo a levar a cabo o projeto, inclusive viabilizando a construção de um barracão no próprio aterro para que Reidy acompanhasse a obra, já que, o arquiteto se recusava veemente a trabalhar na prefeitura novamente.
Como idealizadora e articuladora, Lota assumiu o encargo e mobilizou as pessoas certas formando uma equipe que continha, além de Affonso Reidy no urbanismo, Burle Marx no paisagismo, Luiz de Mello Filho, botânica, Jorge Machado Moreira e Hélio Mamede, arquitetura, e Bertha Leitchic, engenharia – contemporânea de Carmen Portinho fundaram juntas a Associação Brasileira de Engenharia e Arquitetas em 1937.
Lota teve uma formação autodidata, sempre encarando a arquitetura como sua principal paixão. Possuía em sua casa uma biblioteca extensa e estava a par de todos os acontecimentos no mundo das artes, arquitetura e urbanismo da época, aproximando-se de autores como Le Corbusier e Jane Jacobs com seu recém lançado “Morte e vida das grandes cidades” (1961). Pautada principalmente nessa última autora, Lota redirecionou o projeto do Aterro do Flamengo com lucidez e sensibilidade assim como é possível perceber em seu texto para a “Revista de Engenharia do Estado de Guanabara”, publicado em 1964. Nele, Lota traz importantes reflexões sobre o modo como as cidades eram (e são) concebidas, afirmando sua repulsa ao espaço ocupado pelo automóvel nas cidades. Ela entendia o Aterro como ferramenta para devolver aos cariocas o direito de usar o que era deles em uma inspiração menos mecanizada e anti-humana que rasgaria as vias com sinais e passagens.
“Neste mundo de hoje, em que se pensa tão pouco no indivíduo, na criatura humana de carne e osso [...] parece que o Aterrado da Glória, tal como concebeu o Grupo de Trabalho, é obra urgente e inédita: cuida tanto da beleza e conservação da paisagem, quanto da utilidade dela, põe as necessidades do homem diante das reivindicações da máquina, ousa oferecer ao pedestre, pária da idade moderna, o seu quinhão de sossego e lazer”.
O Aterro do Flamengo encheu Lota de alegria e desgosto, consumindo suas energias físicas e psíquicas em mais de cinco anos ininterruptos de trabalho duro. Contudo, após a saída de Carlos Lacerda do governo e a vitória de Negrão de Lima em 1965, Lota foi afastada das obras do Aterro e com isso entrou em depressão ficando internada quase três meses. Seu sofrimento culminou em setembro de 1967 quando interrompeu a própria vida em uma viagem a Nova Iorque aos 57 anos.
Apesar da partida precoce e trágica, Lota de Soares Macedo deixou sua marca na paisagem e na história do Rio. De extrema vanguarda, foi responsável por uma das mais grandiosas obras do país que, infelizmente até hoje, não recebe seu devido valor com o mérito do projeto frequentemente atribuído a Roberto Burle Marx.
Entretanto, a história hoje recontada afirma que o Parque do Flamengo foi ideia e criação de uma mulher forte e determinada que “encarnou um urbanismo de vanguarda, com consciência história, atenção ambiental e sensibilidade estética”.
Referência: RISÉRIO, André. Mulher, casa e cidade. São Paulo: Editora 34, 2015.