Hoje em dia tudo é “pintado” de verde. São embalagens verdes, tecnologias verdes, materiais verdes, automóveis verdes e, claro, arquitetura verde. Uma “onda verde” estimulada pela crise ambiental e energética que estamos enfrentando, com destaque para as mudanças climáticas e todas as consequências atreladas ao aquecimento do planeta. Situação calamitosa confirmada pela segunda parte do relatório intitulado Mudanças Climáticas 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) eapresentado nas últimas semanas. Nele revela-se que, embora os esforços de adaptação estejam sendo observados em todos os setores, o progresso implementado até agora é muito baixo, pois as ações tomadas não são suficientes.
Diante de um prognóstico nada animador, a sustentabilidade – que já em 1972 passou a ser assunto de pauta por meio da Conferência de Estocolmo organizada pela ONU – está cada vez mais presente em todas as atividades, fazendo-as mirar em um desenvolvimento econômico mais equilibrado, que respeita os recursos naturais do planeta. Entretanto, em meio a essa profusão de estratégias “verdes”, a própria definição de sustentabilidade tem sido corrompida, se afastando do conceito original baseado em três esferas principais: sociedade, meio ambiente e economia. Ou seja, atingir o bem estar social sem influenciar negativamente o meio ambiente, mas movimentando a economia.
Nesse sentido, ao compreender a complexidade do tema da sustentabilidade e os diferentes domínios nos quais ela precisa estar presente para ser plenamente aplicada, é possível levantar inúmeras questões a respeito de certas atitudes “verdes” que vêm surgindo com profusão nos dias atuais. Apesar de muitos bons exemplos, o “modismo” do tema fez com que ele se tornasse uma estratégia de marketing, absorvido pela indústria por meio de ferramentas que ajudam a alavancar vendas ou justificar práticas irresponsáveis.
Tal prática é conhecida como greenwashing, que na sua tradução para o português é definida como “maquiagem verde”, um termo pejorativo que identifica o mau uso da ideia de sustentabilidade cuja a finalidade não está relacionada aos seus princípios essenciais. É, portanto, uma estratégia que apresenta benefícios ambientais de forma desconexa, incompleta ou até mesmo mentirosa visando um mercado teoricamente mais preocupado com as boas práticas ambientais. Como elemento de marketing, o greenwashing está presente em diferentes indústrias: alimentos, automóveis, eletrodomésticos, construção civil, entre outras.
No âmbito da arquitetura as frases “empreendimento sustentável” e “preocupação ambiental” têm sido aplicadas nos mais diversos contextos. Basta digitar no navegador essas palavras-chave para encontrar uma profusão de falsos projetos sustentáveis vendidos a preço de ouro sob a égide da sustentabilidade. Um exemplo clássico são os grandes empreendimentos residenciais que vendem a ideia do contato direto com a natureza, mas que, para isso, desmatam uma parcela enorme de área natural, destruindo ecossistemas, para depois aplicar um telhado verde e utilizar plantas nativas no paisagismo e serem vendidos como “empreendimentos sustentáveis”.
Outra estratégia muito utilizada nesses termos é a ênfase dada ao simples cumprimento da legislação, quando o empreendimento se diz sustentável por apresentar uma taxa de ocupação baixa ou por manter uma porcentagem significativa de área preservada, sendo que esses números não são mais do que a norma vigente no plano diretor. Isso quando não pululam elementos como turbinas eólicas, painéis fotovoltaicos, além dos tetos verdes já citados, que, mesmo fora de contexto e sem relação com projeto, fazem com que a edificação seja vendida como exemplo de sustentabilidade. Enfim, as estratégias são inúmeras e muitas vezes escrachadas, basta uma análise um pouco mais aprofundada do local de implantação, das técnicas construtivas, dos materiais utilizados, para borrar a maquiagem verde utilizada em tais empreendimentos
Nesse ponto, alguns leitores podem estar se perguntando sobre a importância das certificações no combate aos “falsos projetos sustentáveis” e, sim, elas são muito importantes. Os selos ecológicos incentivam os arquitetos no cumprimento de normas de qualidade e sustentabilidade, valorizando o uso de novas tecnologias e produtos. Entretanto, cabe a nós uma postura crítica também em relação a essas classificações pois, assim como afirmou Fabiano Sobreira, a própria certificação LEED, talvez a mais conhecida aqui no mundo, tem sido questionada por profissionais da área pela pouca ênfase dada ao projeto e pela ausência de uma contextualização local.
Tomando a certificação LEED como exemplo, é possível perceber que seus critérios abordam apenas um dos aspectos da sustentabilidade (o ambiental) mas ignora os outros pilares que fundamentam o conceito como o social e o econômico. Sendo assim, para torná-la mais abrangente – como o próprio termo sustentabilidade o é –, propõe-se o desenvolvimento (ou aprimoramento) de sistemas de certificações que considerem de forma mais efetiva a “qualidade arquitetônica resultante das decisões de projeto, com menos ênfase em materiais, tecnologias e acessórios, e que incluam questões de ordem cultural, social e econômica como critérios complementares de avaliação”. Dessa forma, procura-se evitar a reprodução de modelos e tecnologias internacionais e reconhecer soluções arquitetônicas que são sustentáveis por natureza e estejam relacionadas ao contexto onde estão inseridas.
Esse contraponto à parafernália tecnológica e a busca por uma sustentabilidade mais genuína tem sido cada vez mais valorizado à medida que se entende o significado mais amplo e complexo do termo. Um importante exemplo dessa mudança de rumo está na escolha do Prêmio Pritzker 2022 divulgado essa semana. Diébédo Francis Kéré ganhou notoriedade justamente por apresentar um processo de projeto colaborativo envolvendo a comunidade, com o uso inovador de materiais e técnicas vernaculares que tem como foco o conforto ambiental e a qualidade espacial. Ou seja, suas obras combinam compromisso ético, qualidade estética e eficiência ambiental contemplando genuinamente os três pilares fundamentais do conceito de sustentabilidade.
Para finalizar, vale ressaltar que é inquestionável a urgência por medidas e estratégias que respeitem o meio ambiente, principalmente dentro da construção civil. Nesse sentido, nenhuma estratégia deve ser inviabilizada; pelo contrário, qualquer ação responsável conta, por menor que seja. Entretanto, devemos estar atentos ao marketing forçado feito sobre determinadas circunstancias, que agrega um valor exagerado em algo que não é condizente, assim como devemos aprender a valorizar cada vez mais estratégias modestas e acessíveis que pensam no meio ambiente, mas também no contexto cultural, social e econômico no qual o projeto está inserido.
Este artigo é parte dos Tópicos do ArchDaily: Caminho para uma arquitetura neutra em carbono. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos do ArchDaily. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.