Um programa de caráter público cumpre diversas funções que além de aprimorar a dinâmica social do entorno, pode ser um importante fator para aumentar a sensação de pertencimento, a oferta de empregos e serviços, e a qualidade de vida no espaço. Por isso, após apresentar projetos habitacionais populares desenvolvidos em comunidades brasileiras, buscamos por equipamentos culturais que ocupam zonas rurais e urbanas menos privilegiadas em questões de infraestrutura.
Vale ressaltar que compreendemos a cultura como a acumulação referencial de um povo através das mais distintas ações, sejam elas artísticas ou não. Assim, há uma vasta variedade de programas nas obras selecionadas. A seguir, conheça elas.
A fim de fortalecer o senso de comunidade no local de trabalho e estimular a redução da pobreza, o Estudio Flume realizou o projeto da Cooperativa das Mulheres Produtoras de Castanhas de Caju, em Bom Jesus das Selvas, Maranhão. A proposta transformou uma pequena casa da comunidade na sede de trabalho do grupo e, também, num ponto de encontro dos vizinhos.
"A necessidade de se construir de forma rápida, simples e econômica, com reaproveitamento máximo da residência existente de alvenaria autoportante, levou o estúdio a ampliar o projeto incorporando o menor número possível de variáveis. Assim, a alvenaria de tijolo cerâmico, a mais popular na região, foi adotada. (...) A ausência de equipamentos públicos na comunidade motivou a pensar em elementos como a marquise e o banco de concreto: um convite para que a comunidade se encontre e compartilhe aquele espaço."
Também projetada pelo Estudio Flume, a reforma e ampliação da Casa de Farinha de babaçu, em Serra, Maranhão, buscou a melhoraria das instalações ao mesmo tempo que visava a ampliação da construção existente, atualizando materiais e reorganizando o layout interno para atender às exigências da Vigilância Sanitária. Fato que valorizou ainda ainda mais o comércio e o trabalho realizados pelas quebradeiras - mulheres que coletam e quebram cocos de babaçu, manualmente, para obter óleo e farinha. A matéria prima resulta diversos produtos que reforçam a cultura regional: pão, bolos, materiais de limpeza, cosméticos, bebidas e artesanato.
"O projeto incorpora uma área de acesso com a função de antessala e/ou varanda, num espaço de socialização entre as quebradeiras e a comunidade. Esta área sombreada é delimitada por uma jardineira, aos cuidados das quebradeiras. A porta da fachada frontal, foi retirada e substituída por elemento vazado, criando uma ventilação permanente, arrematada por um banco e gerando a comunicação entre interior e exterior."
Por sua vez, o Centro de Visitantes Banco dos Cajuais - Aquasis, realizado pela Rede Arquitetos, concebe um espaço expositivo e educativo da ONG Aquasis - Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos - para receber visitantes na praia de Picos, litoral leste do Ceará. O centro servirá para apresentar os projetos da ONG de preservação de espécies da fauna do nordeste brasileiro em ameaça de extinção, em especial da biodiversidade cearense.
"Foi proposto um pequeno pavilhão, capaz de crescer ou reduzir suas dimensões a partir do orçamento, formado por paredes em U que ampliam sua capacidade estrutural, protegem as aberturas da incidência direta do sol e criam nichos de exposição. O espaço interno também foi qualificado pela criação de desníveis que geram diferentes escalas e apropriações possíveis."
A Galeria Babilônia 1500 nasceu de uma relação afetiva familiar do proprietário com o morro da Babilônia, no Rio de Janeiro. Coube ao Rua Arquitetos adaptar a ruína de uma casa inacabada no alto do morro para instalar uma galeria de fotografia que se conecta com a paisagem e o entorno.
"Como forma de conectar visualmente os pavimentos, abrimos um vão entre a galeria e o escritório, tratamos o fechamento de toda a circulação com brises de maçaranduba tipo 'perna de três', comumente utilizados em escoras para lajes de concreto e pintamos todo o conjunto com tinta cinza claro."
O Centro Comunitário Cambury, no litoral norte de São Paulo, foi desenhado pelo CRU! Architects para atender a três requisitos principais apresentados pela associação local: fornecer um espaço comunitário para manter reuniões, atividades escolares ou outros eventos, além de várias salas separadas para classes e espaços para armazenar material; formar uma percepção de centro geográfico do bairro; integrar o edifício dentro da paisagem circundante e a escola existente localizada no mesmo terreno.
"O centro é orientado na direção do mar para aproveitar o vento principal. Elevando o teto e evitando paredes perpendiculares que podem bloquear o fluxo de ar no interior do edifício, o fluxo de ventilação é ideal. Em condições quentes e úmidas maiores velocidades de vento tem um efeito positivo sobre o bem-estar fisiológico, bem como psicológico. (...) O bambu foi adotado para fazer quadros maiores do que as construções de pau-a-pique e a taipa também foi reintroduzida."
Perante a violência e luta diária dos indígenas para manter suas culturas vivas, a Coberturas no Xingu é um projeto realizado pelo Estúdio Gustavo Utrabo que se coloca, não apenas em um contexto de confronto político e resistência, mas a partir de uma forma diferente de se relacionar com as comunidades indígenas, já que as aldeias de hoje e seus habitantes não condizem mais com as antigas visões idílicas da modernidade. A obra utiliza materiais locais e industriais, revelando a passagem do tempo e abrindo-se, ao reivindicar um suporte polivalente necessário à comunidade do Assentamento Kisêdjê.
"A partir de discussões entre arquitetura, construtores locais e saberes ancestrais, as Coberturas para o Parque Indígena do Xingu pretendem relacionar-se com uma cultura sem propriedade e sem dono, que desenvolveu soluções arquitetônicas específicas, como a montagem de elementos de baixa manutenção e o uso de matérias-primas em seu estado bruto, mantendo em seu meio um espaço concêntrico para reunir a comunidade em atividades coletivas."
Na vila conhecida como Favelinha (Aglomerado da Serra, Belo Horizonte), o Coletivo LEVANTE finalizou a obra do Centro Cultural Lá da Favelinha. A intervenção arquitetônica foi realizada ao longo de aproximadamente três anos em um processo coletivo que envolveu a comunidade e a equipe responsável pelo projeto.
"A intervenção trouxe algumas supressões e correções espaciais, de modo a organizar melhor os espaços vazios, mais abertos à livre apropriação (térreo e terraço), e aqueles mais compartimentados e com usos definidos (segundo piso). O projeto também promove a circulação de ar e entrada de luz natural em todos os espaços, adotando elementos vazados e aproveitando aberturas para o fosso-fenda entre as duas paredes na divisa de fundos, por aonde chega uma luz indireta surpreendente. Faixas vermelhas de tela agrária - elementos marcantes da fachada e cobertura – amenizam a insolação direta, afirmam a presença do centro cultural na comunidade e estabelecem um limite sutil entre os espaços internos e a paisagem."
O Pavilhão Social faz parte dos projetos previstos no Plano Diretor de Paraisópolis 2010-2025 da Prefeitura do Município de São Paulo. Realizado pelos arquitetos Anália Amorim, Ciro Pirondi e Ruben Otero, o objetivo inicial do projeto era o de relocar alguns programas educativos e sociais cujas sedes tiveram que ser removidas por conta das obras de infraestrutura ou por estarem em áreas de risco.
Durante a pandemia, por conta de sua condição de espaço coberto, porém aberto e bem ventilado, o Pavilhão conseguiu reunir todas as atividades de luta contra o Covid-19. "Hoje, com a situação mais controlada, o Pavilhão assumiu também um rol cultural. Seu espaço central é sede de exposições de arte e fotografia; no mezanino foram retomados os ensaios corpo de ballet de Paraisópolis."
O projeto para o ginásio Arena do Morro, foi realizado dentro da proposta para o plano urbano de 2009: "Uma Visão Para Mãe Luiza", favela localizada no Parque das Dunas em Natal. A proposta do ginásio foi assinada pelos arquitetos suíços e vencedores do Prêmio Pritzker, Herzog & de Meuron, contendo uma quadra poliesportiva cercada por arquibancadas para 420 pessoas, salas multiuso para dança e educação, um terraço com vista para o mar, assim como vestiários e banheiros.
"A estrutura existente do antigo ginásio - uma quadra de cimento envolvida por pilares e treliças, sem cobertura nem paredes - é o ponto de partida para o nosso projeto. A geometria dessa estrutura é estendida ao longo de toda área construída, criando uma imensa cobertura, cuja forma é definida e limitada pelos limites do terreno. Ao mesmo tempo em que essa cobertura traz uma nova escala para a Mãe Luiza, ela também estabelece uma relação com a tradição nordestina dos grandes espaços públicos cobertos. Tornando-se, assim, um símbolo da comunidade."
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Publicado originalmente em 27 de abril de 2022, atualizado em 6 de dezembro de 2022.