Ela é uma forma arquitetônica onipresente. Uma tipologia que atravessa séculos e fronteiras, um marco em todas as culturas. A tenda. Na sua forma mais simples – é um abrigo, um material colocado sobre uma armação de madeira. É uma linguagem arquitetônica que está intrinsecamente ligada à vida nômade. Yurts, por exemplo, funciona como uma moradia facilmente portátil para os povos cazaque e quirguiz. Ao mesmo tempo, as tendas provaram ser um precedente estilístico popular para os arquitetos, sendo as estruturas leves do arquiteto alemão Frei Paul Otto um exemplo disso. A tenda é uma linguagem arquitetônica complicada – que atravessa a linha entre o temporário e o permanente, e que também funciona como um símbolo de riqueza e um símbolo de escassez.
A forma como as tendas funcionam sendo símbolos de luxo é bastante interessante. Hoje, uma rápida pesquisa no Google produz uma variedade de opções de “Glamping” (acampamento de luxo) em toda a Europa. Estas férias são elegantes, mobiladas com comodidades, daí o nome – uma junção de "glamouroso" e "camping". Em todo o Reino Unido, yurts e tipos semelhantes de tendas funcionam como um pano de fundo arquitetônico para uma experiência de férias na qual um equilíbrio feliz entre harmonia com a natureza e acesso a instalações de última geração pode ser alcançado.
O conceito de camping de luxo está, no entanto, longe de ser novo. Suas origens remontam ao século XVI, quando o conde escocês de Atholl organizou a instalação de tendas luxuosas cheias de provisões em preparação para a visita do rei Jaime V e sua mãe. Cerca de 400 anos depois, nasceu o "Safári Africano", americanos ricos e a aristocracia britânica migrando para a África colonial para excursões de aventura - mas excursões que não sacrificavam o luxo.
A configuração arquitetônica dessas tendas era bastante simples – consistindo tipicamente em coberturas de lona sustentados por peças de madeira. Elas foram, no entanto, opulentamente mobiliadas, com o viajante colonial ajudado por uma série de carregadores e guias africanos no que era uma relação inerentemente exploradora - o viajante deixou a seu próprio critério determinar o "pagamento adequado".
Essa era teve um poder tão duradouro que até os campos de safári contemporâneos, em países como o Quênia, procuram evocar arquitetonicamente esse período, criando uma situação em que tendas e acampamentos de luxo estão implicitamente associados a riquezas nascidas da exploração colonial.
Em contraste, a tenda também funcionou como um símbolo de escassez e privação – amplificado pela cobertura da mídia. Em nenhum lugar isso é mais aparente do que no caso dos campos de refugiados. Para os refugiados sírios no vale do Bekaa, no Líbano, tendas improvisadas feitas de estruturas de madeira cobertas por anúncios em outdoors oferecem pouca proteção. Na Jordânia e na Grécia, o logotipo da ACNUR estampa as tendas do campo de refugiados de Zaatari e o local emergencial de Kara Tepe. A tenda aqui está longe de ser uma tipologia faux-nômade como nos acampamentos de luxo, mas sim um local hostil de impermanência.
Com a grande maioria dos campos de refugiados sendo implementados em áreas distantes e mal conectadas, as tendas neste cenário funcionam como um marcador visual do status de requerente de asilo, onde elas funcionam como uma distinção arquitetônica da área “urbana” de um assentamento, levando para maior ostracismo dos imigrantes que vivem nessas tendas de refugiados. Com o tempo médio de permanência em um campo da ACNUR sendo de 17 anos, a natureza de uma tenda de um campo de refugiados, como um local hostil de impermanência é, na realidade, um lar permanente para muitos.
No campo de refugiados palestinos de Dheisheh, ao sul de Belém, está a Concrete Tent. Construída pela prática artística DAAR, é um espaço de encontro, social e educacional na forma de uma tenda construída inteiramente em concreto. É uma representação adequada da tenda como uma linguagem arquitetônica complexa. Aqui, o legado arquitetônico de pessoas que foram obrigadas a viver em tendas de refugiados recebe um poderoso marco simbólico, afastando a tenda de refugiados de uma narrativa singular de pobreza e marginalização.
Da arquitetura vernacular de certas culturas ao alojamento de luxo e à forma de abrigo de emergência, a tenda como intervenção arquitetônica é multifacetada. Pode ser elogiada como uma tipologia que proporciona uma experiência dita autêntica – embora luxuosa – temporária, apesar de ser uma estrutura permanente; como no caso de acampamentos de safári de estilo colonial. Ou são estigmatizadas como estruturas temporárias como nos campos de refugiados, agindo como um lembrete difícil da violência das fronteiras.