Enormes estruturas curvas descem em forma de rampa até tocar o solo, vazios amorfos marcam os grandes muros retorcidos acessados por dezenas degraus. O vermelho marca as estruturas e as difere de todo o resto, o centro da cidade de Nova Dehli.
Essa poderia ser a descrição de um parque infantil ou até mesmo de uma pista skate, mas trata-se de um dos cinco observatórios astronômicos construídos na Índia entre 1724 e 1738. Esses volumes labirínticos, que mais se parecem uma materialização dos desenhos de Escher, foram idealizados pelo príncipe indiano Jai Singh como parte de um projeto ambicioso que procurava colocar a arquitetura a serviço da ciência. Suas formas possibilitam análises astronômicas complexas, como prever eclipses, rastrear a localização de estrelas e determinar a órbita exata da Terra em torno do Sol.
Os primeiros observatórios, construídos por gregos e persas, continham elementos que foram incorporados nesse projeto, entretanto, nenhum outro é tão complexo e em uma escala tão grande quanto os de Jai Singh. Seus cincos observatórios foram construídos em diferentes cidades da Índia, a grandes distâncias uns dos outros, indicando a busca pela precisão tão estimada pelo seu idealizador, já que, dessa forma, seria possível comparar leituras a partir de diferentes coordenadas. Entretanto, há quem diga que esse esforço serviu também para fortalecer a posição política de Jai Singh, aumentando sua notoriedade. As cinco estruturas ficaram conhecidas como “Jantar Mantares” (“jantar” deriva de “yantra”, instrumento em sânscrito e “mantar” deriva de “mantrana”, que significa consultar ou calcular).
Independentemente da sua real intenção, a grandiosidade da obra há séculos fascina visitantes e entusiastas, enfatizando a precisão astronômica possibilitada pela própria arquitetura construída em uma época na qual já se usava o telescópio na Europa. E esta é, de fato, uma das grandes controvérsias que se estendem pela história dos observatórios, ou seja, a razão pela qual o príncipe indiano construiu uma obra tão grandiosa e ao mesmo tempo tão defasada em termos de tecnologia é uma pergunta recorrente.
Uma das respostas constata que a comunicação entre ocidente e oriente no século XVIII era muito limitada, alguns ainda afirmam que o príncipe não teria tomado conhecimento de tal tecnologia por uma decisão dos seus interlocutores que discordavam das teorias heliocêntricas e esconderam a existência dos telescópios. Entretanto, a atitude pode ser justificada por uma simples diferença de perspectiva já que os observatórios foram concebidos sob influência da astronomia islâmica que, diferentemente do ocidente, entendia a ciência sob um aspecto integrado com a esfera do sagrado. Essa última versão foi levada em consideração quando o Jantar Mantar de Jaipur foi incluído na Lista de Patrimônio Mundial da UNESCO, afirmando que sua inclusão se deu pelo fato de que o observatório “é testemunha de antigas tradições cosmológicas, astronômicas e científicas, compartilhadas por um grande conjunto de religiões ocidentais, do Oriente Médio, da Ásia e da África, durante um período de mais de quinze séculos.”
Nesse sentido, percorrer tais estruturas é entender a “recusa” da tecnologia em detrimento de uma arquitetura que representa uma cultura histórica a qual abraça a riqueza da experiência sensorial em suas artes e ciências. Trata-se da materialização de um modo de viver em que observação dos fenômenos naturais, incluindo o movimento de estrelas e planetas, é parte da visão de mundo e delimita uma série de práticas, desde rituais religiosos, trabalhos agrícolas, até decisões pessoais de quando ou com quem se casar. Os observatórios, portanto, representam muito mais do que a autoridade de um líder, sendo determinantes para decidir as datas de acontecimentos importantes como guerras, festas e casamentos. Uma devoção que o príncipe Jai Singh levou muito a sério, já que a própria cidade de Jaipur — a primeira planejada do país, localizada nas terras semidesérticas do Rajastão — foi orientada astrologicamente na direção do seu signo ascendente, de acordo com a sua data de fundação.
Para refletir estabilidade e permanência, os volumes inusitados e as formas marcantes foram construídos em pedra e alvenaria, distanciando-se da falta de precisão dos instrumentos metálicos utilizados na época, como o astrolábio. Segundo as pesquisas encomendas por Jai Singh, esses instrumentos teriam perdido a exatidão devido ao desgaste de suas partes móveis, por isso, ele decidiu criar volumes sólidos e de grande escala, aumentando também a precisão decorrente do seu tamanho. Entre as dezenas de estruturas, a mais impressionante talvez seja a construção de 27 metros de altura cuja sombra se move a uma velocidade de quatro metros hora.
Dos cinco observatórios, todos, exceto um, ainda existem e estão abertos ao público. Suas formas estáticas e grandiosas são confrontadas em um espaço que é, ao mesmo tempo, estético e matemático, fascinando turistas mas também oferecendo aos moradores da cidade um espaço para contemplação e relaxamento. Assim como Júlio Cortázar (1914-1984), renomado escritor argentino, escreveu quando os visitou em sua passagem pela Índia na década de 50, os Jantar Mantares são lugares onde nos damos conta do "buraco na teia do tempo, esse modo de estar entre, não acima ou atrás, mas entre, [...] da incontável vida com suas horas de frente e de lado, seu tempo para cada coisa, suas coisas na hora certa."