Como a bicicleta empoderou as mulheres na ocupação dos espaços públicos

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Foto por Janwillemsen, via Flickr. Licença CC BY-NC-SA 2.0

“Deixe-me dizer o que penso da bicicleta. Ela tem feito mais para emancipar as mulheres do que qualquer outra coisa no mundo. Ela dá às mulheres um sentimento de liberdade e autoconfiança. Eu aprecio toda vez que vejo uma mulher pedalando... uma imagem de liberdade”. Susan Anthony, uma das mais importantes lideres sufragistas norte-americanas, disse isso no início do século XX, enaltecendo o poder libertário representado pela mulher e sua bicicleta na época.

Mais de um século depois, a imagem dos cabelos esvoaçantes e da graciosidade do movimento rítmico no pedalar ainda aflora os sentimentos de liberdade e independência na — ainda tímida — conquista do espaço público pelas mulheres. Nesse contexto, fica nítida a importância da bicicleta no desbravamento da cidade, e por isso, mais um motivo para celebrar e incentivar a sua utilização, especialmente no Dia Mundial da Bicicleta, comemorado em 3 de junho.

A história desse modal de duas rodas iniciou com os velocípedes, antecedentes das bicicletas tais quais conhecemos hoje, que surgiram em 1863 tornando-se uma opção de lazer específica para a população mais abastada. Entre ajustes e adaptações, esses equipamentos logo passaram a ser incorporados no âmbito do esporte, incentivando corridas e campeonatos, atingindo dessa forma diferentes camadas sociais. Às mulheres, entretanto, cabia o papel de espectadoras, já que sua participação em eventos esportivos desse gênero era vetada. Foi, portanto, na utilização da bicicleta como atividade de lazer que as mulheres puderam se vincular, mas não antes sem forçar algumas mudanças estruturais.

A primeira delas esteve diretamente relacionada ao vestuário. Há estudos indicando que o advento da bicicleta muito teve a ver com a mudança nas roupas utilizadas pelas mulheres no final do século XIX. Era impossível pedalar usando as inúmeras camadas de saias e os espartilhos apertados assim, aos poucos, o ciclismo começou a ditar moda popularizando o uso de roupas mais justas e curtas que possibilitavam maior mobilidade, como os bloomers (calças turcas com amarrações nos tornozelos usadas por baixo das saias). Essa mudança, assim como as outras que vieram na sequência, não foram bem aceitas, já que muitos consideravam as novas vestes inadequadas e feias para uma dama.

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Foto de Terry Chapman, via Flirck. Licença CC BY-NC-SA 2.0

Mais além da mudança no vestuário, a quebra de paradigma relacionada à presença da mulher pedalando no espaço público foi uma questão-chave que enfrentou (e enfrenta) muita resistência. Apoiando-se em estudos clínicos duvidosos, chegou-se a defender a ideia de que a bicicleta poderia causar infertilidade às mulheres, aumentando as chances de aborto, ou seja, negando à mulher o “cumprimento do seu papel social”.

Apesar de todas as “contraindicações” as mulheres insistiram no uso da bicicleta e sua prática passou a representar uma mudança estrutural ainda mais importante. Se antes elas eram vistas como frágeis, apáticas, isoladas em seus lares, as pedaladas nas ruas eliminaram esses estigmas e afloraram novos hábitos como os cuidados com a saúde e a higiene. Nesse período é importante destacar o papel do movimento sufragista que, além de Susan Anthony citada anteriormente, teve como importante expoente a ativista Frances E. Willard que publicou em 1895 o livro Wheel Within a Wheel narrando como aprendeu a andar de bicicleta com 53 anos e demostrando, por meio da sua experiência pessoal, como a bicicleta lhe devolveu a liberdade de circular que havia sentido apenas quando era uma criança. Sem depender da anuência e ajuda dos homens, com a bicicleta, as mulheres passariam a chegar onde desejavam, atingindo distâncias mais longas e conquistando autonomia.

O uso da bicicleta representou, portanto, uma reconciliação com esta liberdade primária em uma sociedade na qual as mulheres eram (e ainda são) pouco incentivadas a usar sua capacidade corporal, condicionadas na maioria das vezes à brincadeiras sedentárias e enclausuradas. Nesse sentido, a bicicleta é uma peça-chave para romper tal timidez corporal e assumir a ocupação do espaço público de forma um pouco mais igualitária.

Hoje em dia, muito se discute sobre o grande potencial que a bicicleta representa como veículo movido a propulsão humana, com uma velocidade compatível para vivenciar a cidade, as pessoas nas calçadas, as fachadas dos comércios, etc. Nessa lógica, a bicicleta permite mudanças estruturais no cotidiano das mulheres, possibilitando raios de alcance maiores, outros de destinos, economia e prática de exercícios. É fato que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que a ocupação do espaço público aconteça de forma mais igualitária, assim como as condições para o uso da bicicleta nas cidades ainda carecem de muito incentivo e conscientização. Entretanto, é fundamental enaltecer e incentivar o uso desse modal que muito fez (e faz) pelo empoderamento das mulheres.

Sobre este autor
Cita: Camilla Ghisleni. "Como a bicicleta empoderou as mulheres na ocupação dos espaços públicos" 25 Jun 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/983396/como-a-bicicleta-empoderou-as-mulheres-na-ocupacao-dos-espacos-publicos> ISSN 0719-8906

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