Bem longe do estado norte-americano do Tennessee, o movimento Memphis surgiu em Milão na década de 1980 e revolucionou o design. Suas cores espalhafatosas, padrões exagerados e estampas conflitantes tinham o intuito de derrubar o status quo do minimalismo da época, contrariando também, com suas formas puramente estéticas e ornamentais, o design funcionalista postulado pela Bauhaus.
Liderado pelo designer italiano Ettore Sottsass, o coletivo se autointitulou Grupo Memphis em homenagem à canção Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again, de Bob Dylan, que tocava repetidamente nas primeiras reuniões. Entretanto, é no ambíguo significado da palavra que reside a real intenção do grupo: Memphis pode significar ao mesmo tempo a cidade norte americana e a capital do Egito. Uma ambivalência que posteriormente é vista nas controversas obras de filosofia do grupo.
Ao sair da música para a história da arquitetura, o caos semântico que caracteriza as obras foi determinado pela profusão de identidades e referências que seus membros carregavam. Influências que vinham da Índia, das cores dos cemitérios da Guatemala, da televisão japonesa, dos laminados de plásticos dos bares da periferia de Milão, entre muitas outras. Relacionado ao pós-moderno, o movimento, com suas composições ousadas e gritantes, dava forma à paródia “menos é um tédio”, de Robert Venturi.
Sob este conceito foram criados inúmeros produtos como móveis, objetos, tecidos, padrões, cerâmicas em um estilo pós-moderno que também misturava traços do Kitsch, Art Deco e Pop Art. Uma das peças mais emblemáticas do movimento é a “Carlton”, uma estante que traz à tona o questionamento: por que as estantes de livro precisam ser iguais a todas as outras? Como um “artefato doméstico”, as formas descontruídas e os planos coloridos da peça zombam dos códigos estéticos em vigor na época, afirmando que o objeto não precisava ser apenas funcional, ele era o protagonista.
A estreia oficial do grupo foi em 1981 com 55 peças expostas no famoso Salone del Mobile de Milão. Dentro da filosofia libertária do grupo, os objetos apresentados misturavam diferentes materialidades, como cerâmica, metal e laminados plásticos baratos, criando formas que variavam entre desenhos geométricos e orgânicos. Uma composição exagerada que não passou ilesa de comentários e críticas que afirmavam que as obras eram uma afronta ao que se considerava belo. O pesquisador Bertrand Pellegrin ironizou anos mais tarde dizendo que o movimento foi um “casamento forçado entre a Bauhaus e a [fabricante de brinquedos infantis] Fischer Price”. Entretanto, apesar da recepção negativa, a nova abordagem de design do movimento Memphis, caracterizada pela criatividade e humor, atravessou a década de 1980.
Após sete anos de existência, em 1988, o grupo se desfez, sendo que ainda em 1985 o seu fundador Ettore Sottsass havia abandonado o movimento incomodado pelo circo midiático que era criado em torno dele. Apesar da curta existência, o Memphis deixou um legado fundamental para a história da arquitetura e do design e hoje, mais de 30 anos depois, experimenta um curioso ressurgimento.
Em 2011, o movimento foi revivido em saias de organza com pecinhas cúbicas brilhantes da coleção do estilista Christian Dior, para alguns anos mais tarde, voltar a influenciar os projetos arquitetônicos de interiores pelo mundo afora. Rendendo-se às curvas espalhafatosas, as cores vibrantes e as composições exageradas a Sede da Google em Amsterdã e o Escritório Esquire na Índia são exemplos de projetos que mostram a tendência global do ressurgimento do Memphis.
Ao priorizar a arte, o movimento Memphis atribuiu valor estético e emocional ao design com referências que beiram o fantástico. Na sua destemida mistura de estilos, criou-se uma abordagem própria, ao mesmo tempo atraente e controversa, que quebrava as regras vigentes na época e que até hoje traz ousadia para o cotidiano. Nesse sentido, servindo de referência a projetos contemporâneos, Memphis assume seu intuito original de provocar uma resposta emotiva nas pessoas, seja aflorando o caos criativo de uma empresa ou a agitação de uma manhã na cozinha de casa, sensações ambíguas e marcantes como o próprio nome do movimento.