Fruto direto do aquecimento global, o fenômeno das ondas de calor tem se mostrado mais avassalador e frequente a cada novo verão. A mais recente delas irrompe há dias na Europa, com agravamento nos países da região oeste, a exemplo de Bélgica e Reino Unido. O derretimento da superfície da pista de aterrissagem do Aeroporto de Luton e os incêndios causados na vila de Wennington, em Londres, e em Calatayud, no sudoeste da Espanha, são alguns dos episódios que ajudam a entender os contornos críticos do problema.
Diante da sensação abrasadora e inevitável causada pelo aumento exponencial da temperatura, somada a um padrão de habitação historicamente pensado em torno da proteção do usuário contra o frio, logo, não-responsivo para o extremo oposto, a população dessas cidades recorre ao ambiente externo e às fontes de água disponíveis para ter certa trégua frente ao clima seco e intenso da estação nos últimos anos.
As fontes públicas, assim como os corpos d’água, desempenham, por si só, um papel fundamental no tecido urbano, sobretudo em cidades populosas, densas e, portanto, suscetíveis à formação de ilhas de calor. Como estabelece Jenny Roe em sua pesquisa sobre a importância dos elementos hídricos na saúde mental dos habitantes de uma cidade, os “Blue Spaces” (“Espaços azuis”, em complemento ao conceito de “Áreas verdes”) são dispositivos urbanos de aproximação do indivíduo com a natureza, tão indispensáveis quanto às massas vegetais para a manutenção do bem-estar comum. Em áreas que não possuem elementos naturais análogos extensos o suficiente, cresce ainda mais a necessidade da existência e do funcionamento desses equipamentos na paisagem.
Contudo, em virtude do aumento da média térmica do planeta para o status de maior em 125 mil anos, e, por consequência, da diminuição progressiva do conforto humano em boa parte dos centros urbanos durante as atividades cotidianas entre a manhã e à tarde, esses pontos adquirem caráter de refúgios descobertos, pois agora estão atrelados também à saúde física dos cidadãos. As fontes do Jardins do Trocadéro, em frente a Torre Eiffell, Paris, por exemplo, se transformaram em espécies de piscinas abertas na fruição dos dias mais extenuantes. No Parc du Champ de Mars, em Colmar, ao noroeste da França, os moradores se refrescam para atenuar o sol escaldante entre os jatos que saem dos sprinklers e oferecem alguma dose de sossego aos passantes.
Iniciativas entre agentes governamentais e entidades privadas têm se valido de fontes e bebedouros de uso livre para mitigar a desidratação severa e outros possíveis efeitos decorrentes das ondas de calor no território europeu. Entre essas ações, pode se destacar a difusão do uso do aplicativo RefillApp, que usa o sistema de geolocalização para sinalizar as fontes de água potável mais próximas. Em Shefffield, na Inglaterra, os campi da University of Sheffield e da Sheffield Hallam University permitem o consumo gratuito da água proveniente de seus chafarizes. Estratégia semelhante é adotada em Veneza, onde a prefeitura estimula ativamente que turistas e moradoras priorizem consumir água em uma das 126 fontes espalhadas pela cidade ao invés das garrafas de plástico.
A partir da experiência europeia e do que já foi possível registrar sobre os impactos gerados pelas mudanças climáticas mundo afora, considerando ainda a crise energética atual, é possível inferir que o novo panorama a se impor nas cidades do século XXI indica os “Blue Spaces” como elementos vitais para o urbanismo praticado daqui pra frente, num grau nunca antes visto. Ao perpassar pelos futuros desafios na gestão da água como fator estruturante desse e de todos os outros componentes da vida em sociedade, se torna urgente a racionalização sobre qual forma esses equipamentos devem se articular e proporcionar zonas de alívio nas cidades.