Os indianos tradicionalmente viviam perto da terra, suas culturas eram moldadas por relações simbióticas com os ecossistemas. Com isso, as artes e ofícios indianos dependem fortemente da natureza para sua forma, filosofia e existência. As paisagens nativas despertaram a sensibilidade artística das comunidades, desenvolvendo práticas artesanais que atendiam a necessidades utilitárias e ritualísticas. A interseccionalidade da ecologia e da cultura é evidente através de formas ancestrais de artesanato.
A herança artesanal da Índia tem uma relação interdependente com o ecossistema e qualquer mudança nesse âmbito pode ter um impacto profundo no setor de artesanato e na cultura coletiva da região. O artesanato indiano é típico de suas paisagens nativas, conectado aos recursos naturais para se manter vivo. Os sistemas humanos tradicionais estão entrelaçados com os sistemas ambientais, resultando em narrativas paralelas de degradação ambiental e vulnerabilidade das comunidades artesanais. Na esteira das mudanças climáticas, as tecnologias vernáculas artesanais podem combater a degradação ecológica?
O artesanato indiano é inerentemente sustentável, emergindo de recursos disponíveis localmente. As técnicas tradicionais de artesanato estão enraizadas na otimização de materiais, minimização de resíduos, adequação contextual e processos energeticamente eficientes. As práticas de artesanato oferecem uma visão dos sistemas vernaculares que podem ser usados contra alguns dos problemas ambientais mais prementes e antigos, como a poluição da água e do ar. Nesse artigo, exploramos três novos materiais de construção que empregam técnicas artesanais indianas - as quais estão no limiar do esquecimento - como uma ferramenta para reviver ecologias:
Indus: Combate à Poluição da Água
Indus é uma parede bio-integrada projetada para tratar água poluída, especificamente em instalações artesanais de pequena escala nas comunidades em desenvolvimento da Índia. Ela é essencialmente uma pele viva feita de azulejos que podem ser construídos a partir de materiais disponíveis localmente, como argila e laterita. Cada peça é revestida com um gel de microalgas que trata a água contaminada à medida que escorre em sua superfície.
O projeto usa ferramentas digitais para reinventar o conhecimento antigo e oferecer ao artesanato local uma nova forma, linguagem e identidade. Os padrões biomiméticos dos azulejos são inspirados nos veios de uma folha - o design inteligente da natureza que direciona a água para onde ela é mais necessária. Embora os moldes feitos por algoritmos sejam impressos em 3D, os azulejos podem ser facilmente fabricados no local usando materiais regionais, reduzindo a emissão de carbono e empregando artesãos nativos. Cada molde é adaptado pela equipe de design - pesquisadores do Bio-Integrated Design Lab da Bartlett School of Architecture, UCL - para se adequar à escala e ao tipo de poluição em diferentes locais.
"Com o Indus, o objetivo é tornar o processo biológico de tratamento de água facilmente disponível e descentralizado", explica o Dr. Shneel Bhayana, que lidera a equipe de projeto. Assim como a cultura, a biologia é sempre relativa a uma condição particular do local. O Indus foi desenvolvido para equipar cada comunidade com sua própria versão, específica para os contaminantes identificados na água. O projeto foi estruturado para ser utilizado pelos indianos, utilizando materiais regionais e práticas artesanais tradicionais agregando valor à comunidade local.
CoolAnt: Combate ao aquecimento global
Inspirado em metodologias vernaculares de resfriamento, o escritório de arquitetura Ant Studio criou uma solução eficiente para o calor urbano e o aquecimento global. Os arquitetos usaram técnicas tradicionais combinadas com tecnologia moderna para criar um sistema de resfriamento de ar feito com cilindros de terracota. Após a imersão do material em água, o ar que passa pelas peças cilíndricas é naturalmente climatizado por meio do resfriamento evaporativo.
Imitando a geometria de uma colmeia, o resfriamento natural do ar se manifesta como um aglomerado de peças em forma de barril, densamente compactadas e feitas de terracota cozida. O sistema funciona como uma alternativa ecológica aos aparelhos de ar condicionado convencionais, por não emitir clorofluorcarbonos, um produto químico que destrói a camada de ozônio da Terra. CoolAnt também não requer eletricidade e pode ser usado em fachadas de edifícios e espaços internos para melhorar a qualidade do ar.
O dispositivo foi construído a partir do conhecimento dos ceramistas tradicionais indianos. A comunidade de artesãos usa principalmente a terra como matéria-prima para fabricar as peças - localmente chamadas de matka. Esta forma de faiança é comumente usada nas residências indianas para resfriamento natural, mantendo seu interior fresco por evaporação facilitada pela textura porosa. CoolAnt tem como objetivo apoiar e reviver o esquecido artesanato da cerâmica, envolvendo os artesãos nessa construção.
Carbon Craft: Reutilização das emissões de carbono
Em vez de encarar a poluição como um subproduto inevitável das indústrias, a Carbon Craft Design a utiliza como matéria-prima para fabricar telhas feitas de fuligem. Um empreendimento inovador do arquiteto Tejas Sidnal, o projeto mescla tecnologia e artesanato para reaproveitar as emissões de carbono. A fuligem é um material residual gerado em toneladas durante a queima de combustíveis fósseis e, eventualmente, é descartado.
As telhas monocromáticas obtêm sua cor a partir do carbono reciclado, evitando maior combustão do material e criando um apelo decorativo. As telhas são feitas moldando, cortando e depois misturando fuligem com cimento. Essa técnica artesanal consome uma quantidade menor de energia do que as peças cerâmicas convencionais, ao mesmo tempo em que capacita a comunidade de artesãos. As telhas eram um produto economicamente viável que a equipe poderia fabricar com o material residual, ao contrário dos tijolos da fachada.
Sidnal sempre se incomodou com a poluição do ar. Enquanto pesquisava métodos de design para resolver o problema, ele percebeu que a tecnologia sozinha não poderia resolver os problemas ambientais. Carbon Craft é construída com base na educação geracional dos artesãos de Morbi, Gujarat, o segundo maior fabricante de azulejos do mundo. Habilidosos em um artesanato tradicional de 200 anos, os artesãos puderam entender intuitivamente as propriedades desse novo material e educar a equipe de design sobre métodos de produção eficientes. Os artesãos estão envolvidos em dois aspectos do processo de fabricação - projetando o molde e criando as peças.
“Acredito firmemente que os artesãos serão fundamentais para lidarmos com as mudanças climáticas”, disse o Dr. Malik ao ArchDaily. Esses exemplos destacam a contribuição que as comunidades da Índia podem dar para a sustentabilidade, mitigando as mudanças climáticas. A dupla arquiteto-artesão opera em uma abordagem projetual 'de baixo para cima', onde as práticas tradicionais informam a inovação e o desenvolvimento.
O futuro da ação climática é local. Ao lidar com adversidades ecológicas, contextos variados exigem esforços diferentes que mobilizam os cidadãos. Por meio de seu trabalho, as comunidades podem participar de uma forma de ativismo de base em prol da justiça climática. Ao relocar os sistemas econômicos, sociais e ecológicos, o progresso ambiental se torna mais acessível e eficaz. Uma rede de ação local inevitavelmente se agregará em um triunfo global.
Este artigo é parte dos Tópicos do ArchDaily: O futuro dos materiais de construção. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos do ArchDaily. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.