“Todos os espaços físicos que nós (arquitetos) projetamos – edifícios, interiores e cidades já nascem como metaespaços, e nós os chamamos de modelos 3D”. Com essa afirmação Brian Jencek, diretor de planejamento da empresa de arquitetura HOK, de San Franciso, estreita os limites entre o modo de projetar atual e o futuro da arquitetura no metaverso. Segundo ele, não estamos tão longe assim dessa tecnologia, visto que, já usamos as mesmas ferramentas que os designers visuais utilizam, como Unity, Twin motion e Blender, para criar ambientes realistas.
Entretanto, apesar desses pontos em comum, a construção no metaverso exigirá novas habilidades e, principalmente, uma mudança de perspectiva. Além da modelagem 3D, será necessário incluir outras funções como o design de conteúdo, de personagens e de jogos. Com isso, o mundo da arquitetura se abrirá para diferentes profissionais gerando uma equipe ainda mais multidisciplinar, focada no processo de projeto da nova era.
A relação com o mundo dos jogos virtuais, por exemplo, já pode ser vista em colaborações inéditas de grandes escritórios de arquitetura com a indústria de entretenimento como Zaha Hadid Architects que recentemente trabalhou em conjunto com a empresa de jogos PUBG Mobile na criação de um ambiente virtual onde os jogadores experimentam um campo de batalha esteticamente bonito e tecnicamente rico.
Extrapolando os limites da arquitetura dita como tradicional, projetar no metaverso significa, portanto, explorar um campo ainda desconhecido que abrange desde o diálogo com outras disciplinas até o domínio de novos softwares. Com isso em mente, esse artigo procura apresentar algumas considerações importantes para os arquitetos que pretendem se aventurar no mundo do metaverso.
Escolhendo uma plataforma de metaverso
Dentro do metaverso existem duas ramificações de produtos a serem criados, wearables e scenes. O primeiro, como o próprio nome diz (“dispositivos vestíveis”) está relacionado a mercadorias digitalizadas como peças de roupas, objetos de design e outros produtos que não se enquadram no domínio arquitetônico. No caso da arquitetura, a criação no metaverso está relacionada as scenes (“cenas”), consideradas estruturas ou paisagens arquitetônicas.
Para construir uma scene primeiramente é necessário acessar uma plataforma de metaverso. Hoje em dia as mais populares são a Sandbox, Cryptovoxels e Decentraland. A primeira é uma plataforma de jogos, mais amigável e intuitiva, que permite aos usuários criar, usar e vender suas obras usando o próprio mercado dentro da plataforma. Para a criação na Sandbox é usado um editor simples chamado VoxEdit. A Cryptovoxels, por sua vez, é um mundo virtual inspirado no famoso jogo Minecraft, nela é possível comprar terrenos virtuais, construir lojas nesse terreno, criar avatares e preencher as próprias galerias de arte com NFTs. Apesar da melhor opção para construir uma edificação dentro dessa plataforma seja possuir o seu próprio terreno, a Cryptovoxels também oferece a opção do Free Space para aqueles que não têm um terreno específico, mas querem testar suas habilidades. Nesse caso a arquitetura não é construída exatamente no metaverso da Cryptovoxels e sim em uma espécie de cópia limitada dele.
Das três plataformas citadas anteriormente, a Decentraland talvez seja a mais conhecida na atualidade. Em linhas gerais ela pode ser definida como um universo em 3D governado por uma organização autônoma descentralizada (DAO), e muito da sua popularidade se deve ao fato da abertura de uma unidade do JP Morgan, o maior banco dos Estados Unidos, dentro do próprio jogo. Além disso, ela também esteve em pauta quando um dos seus terrenos virtuais foi vendido por US$ 2,4 milhões (618 mil unidades de MANA – sua moeda nativa) em novembro de 2021.
Na prática, para aproveitar todo o potencial meta arquitetônico da Decentraland, é necessário ter uma carteira digital de criptomoeadas conhecida como Metamask e começar investindo em um terreno – o que hoje em dia se tornou uma das maiores barreiras para a construção no metaverso. Além das exceções exorbitantes, como a citada anteriormente, seus terrenos custam em média U$ 15.000, muito diferente do início da plataforma quando era possível adquirir um lote por U$ 500. Entretanto, assim como na Cryptovoxels, na Decentraland também é possível criar estruturas paralelas apenas para se divertir, sem precisar investir dinheiro, e caso seja da sua vontade, ainda é possível inscrever sua scene para ser implantada em terrenos que pertençam a outra pessoa.
Criando cenas
Diferentemente da arquitetura no mundo físico, projetar no metaverso requer abordagens mais específicas no intuito de gerar uma experiência imersiva. Nesse sentido, muitos arquitetos têm se apropriado de ferramentas da indústria cinematográfica como o storyboard para dar mais vida a suas criações. Com ele, é possível organizar as cenas que serão exibidas em sequência, quase como um promenade architecturale do século XXI. Dessa forma, a experiência imersiva e interativa no metaverso é enriquecida com uma boa narrativa.
Além disso, há uma forte movimentação a favor do papel fundamental que os arquitetos têm na construção desses espaços em detrimento dos desenvolvedores de jogos, por exemplo. O próprio Patrik Schumacher, diretor de projetos no Zaha Hadid Architects, afirmou em entrevista ao ArchDaily sua crença de que será no metaverso onde grande parte da ação arquitetônica e da inovação acontecerá na próxima era, e deixá-lo nas mãos da indústria do entretenimento é um erro de propósito e de critérios. Weronika Marciniak, do escritório de arquitetura voltado para o metaverso Future is Meta, também diz que, no momento, o espaço digital está sendo dominado por desenvolvedores de jogos ou pessoas interessadas em design 3D – mas não necessariamente arquitetos e, segundo ela, o resultado disso são espaços difíceis de navegar ou não necessariamente pensados a partir da perspectiva do usuário.
Essas afirmações ressaltam a importância dos arquitetos na criação dessa nova era tecnológica pois, assim como na vida real, não basta projetar estruturas esteticamente agradáveis, é necessário estar atento as subjetividades que as compõem, seja no mundo físico ou no digital. Para tal, precisamos estar preparados e alinhados com os novos softwares e tecnologias para que a nossa profissão seja reinventada, mas sem perder sua essência “humana”.