Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem

Nas geografias de encostas e em conjunto com fatores como a precipitação e o excesso de água que promovem o escoamento superficial, produz-se uma série de impactos que levam a processos de perda de solo, água, nutrientes e sementes, com a consequente redução da produtividade agrícola (Posthumus, 2005). Nos contextos montanhosos andinos, esta situação se agrava pela variabilidade e escassez de água, assim como pela dificuldade de retenção da mesma (Canziani, 2007). Diante desses desafios, foram surgindo transformações e modificações territoriais conhecidas como andenes e terraços, que constituem uma das mais antigas práticas infra-estruturais de conservação e manejo hidrológico e do solo. Sua presença física, uso produtivo e importância cultural ainda estão presentes em muitas partes do mundo.

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 14 de 14Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 2 de 14Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 3 de 14Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 4 de 14Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Mais Imagens+ 9

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 7 de 14
Andenería en Arequipa. Image © José Alberto Sotomayor Jiménez

Os terraços estão principalmente ligados à expansão e consolidação agrícola em territórios íngremes. Entretanto, a combinação de variáveis durante seu desenho tais como dimensão, materialidade utilizada (terra, pedras e rochas), técnica e fabricação, vegetação associada, clima local, localização geográfica, entre outros, dão a estes dispositivos a capacidade de fornecer uma grande diversidade e gama de serviços ecossistêmicos (Romero-Díaz, De Vente & Díaz-Pereira, 2019; Wei et al., 2016). Assim, os terraços tornam-se infra-estruturas e paisagens, além de estratégias para a imaginação projetual em diversos espaços e momentos da história humana.

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 12 de 14
Terrazas de formación lenta en Caraybamba, Apurímac. Image © Giovani Taboada

Ecossistemas escalonados gerados a partir de terraços foram feitos na África, Europa, Ásia e nas Américas (Donkin, 1979; Butzer, 1982; Goudie, 1986; Hillel, 1991). Nos Andes centrais, os primeiros terraços destinados à agricultura de sequeiro foram construídos entre aproximadamente 800 e 200 AC (Kendall, A. & Rodríguez, A., 2009). Posteriormente, e ligado à expansão da cultura Wari no século VI, foram construídos os andenes - infra-estruturas mais sofisticadas - no território entre 200 a.C. e 1532 d.C. (Sandor & Eash, 1995).

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 14 de 14
Agricultores rehabilitando andenes. Image © Douglas Walsh, Asociación Andina Cusichaca

Terraços de lavoura, também conhecidos como terraços de formação lenta, 'pata pata' em Quechua ou 'takuana' em Aymara, são simplesmente infra-estruturas executadas com foco na agricultura de sequeiro, e não fazem parte de um sistema integrado de irrigação (Willems et al., 2021). Sua existência faz parte de um processo progressivo de construção e estabilização de valas de contorno e seguindo as curvas de nível que, em conjunto com vegetação arbustiva ou árvores, promove o acúmulo progressivo de material erodido na parte inferior e permite a redução da inclinação (Llerena et al., 2004, Canziani, 2007).

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 13 de 14
Andenes en Andamarca, Ayacucho. Image © Douglas Walsh, Asociación Andina Cusichaca

Por outro lado, os andenes, também chamados em alguns casos de "bancales", formam infra-estruturas mais sofisticadas que combinam estratégias de assoreamento para a consolidação de solos agrícolas com uma rede integrada de irrigação em cascatas (Willems et al., 2021). A articulação parte de um primeiro setor de captação e distribuição onde os canais promovem a infiltração e direcionamento da água, que é então armazenada em reservatórios superficiais e subterrâneos para finalmente ser desviada de forma controlada para os andanes e depois drenada para baixo.

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 10 de 14
Andenes de Moray Tipo 1. Image © Douglas Walsh, Asociación Andina Cusichaca

Da mesma forma, os andanes são normalmente impermeabilizadas através do uso de uma camada de argila na base e são projetadas com paredes de pedra que permitem a retenção de água e com uma ligeira inclinação em suas plataformas que favorece o fluxo de gravidade do recurso hídrico (Willems et al., 2021). Uma classificação mais completa foi elaborada por Kendall e Rodríguez (2009), que é dividida em 4 tipologias principais de acordo com critérios de perfil de plataforma, muro de contenção, presença de sistema de irrigação e fatores distintivos em sua construção.

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 11 de 14
Andenes de Musqaypuquio, Cusco. Image © Douglas Walsh, Asociación Andina Cusichaca

Os andenes, vistos por seus construtores como parte integrante do patrimônio cultural dos assentamentos andinos, superaram progressivamente uma função meramente produtiva de natureza agrícola ou destinada a estabilizar os solos das construções nas encostas. Assim, eles representavam vontades culturais e estéticas que se traduziram em uma transformação e modelagem da paisagem, integrando-se ao projeto dos assentamentos e à volumetria de seus edifícios e estabelecimentos reais (Canziani 2006), que podemos ver em várias construções como Machu Picchu, Moray ou Tipón. Seu projeto permitiu um aumento da exposição à radiação solar e a geração de microclimas favoráveis a espécies específicas em altas altitudes, onde anteriormente teria sido muito difícil cultivá-las, graças à retenção da temperatura dos muros de contenção e à modelagem da superfície da encosta (Blanco, 1988; Crousse, 2016).

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 2 de 14
Machu Picchu, Peru. UNESCO World Heritage Site. One of the New Seven Wonders of the World.. Image © SCStock / Shutterstock

A expansão no uso de terraços, juntamente com um sistema integrado de infra-estruturas, tornou possível garantir a segurança alimentar das comunidades locais através da gestão eficiente de seus recursos, especificamente da terra e da água. Após a Conquista, o uso dos andenes foi gradualmente reduzido, com aproximadamente 250.000 ha ainda sob cultivo hoje (Willems et al., 2021). Estima-se que uma quantia semelhante estaria semi-abandonada, mas com potencial para reabilitação (Masson & Cotler, 1986).

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 3 de 14
Concentric terraces ( Inca period ) Moray Urubamba valley Peru. Image © rayints / Shutterstock

As estratégias dos terraços e andenes são hoje um patrimônio material e imaterial fundamental para o manejo integrado do território andino. As iniciativas de sistematização do conhecimento e da literatura, assim como a medição e análise dos diversos serviços ecossistêmicos que provêm (controle da erosão, abastecimento de alimentos, regulação da água, preservação dos valores culturais e sociais, entre outros), realizadas por diversos projetos nos Andes, são fundamentais para dar valor e tangibilidade a suas qualidades. Da mesma forma, as iniciativas para sua recuperação são cruciais para evitar os efeitos adversos que podem surgir em detrimento das comunidades locais e do conhecimento infra-estrutural que elas preservam. Os benefícios desta regeneração superariam em muito os investimentos feitos.

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 4 de 14
Centro Arqueológico de Chinchero Cusco Perú. Image © Jereny / Shutterstock

Finalmente, em um contexto de gestão de risco e mudança climática, terraços e andenes também são infra-estruturas naturais e ferramentas ativas e contemporâneas que nos permitem imaginar oportunidades de mitigação, bem como espaços de adaptação para outros futuros no território. Eles nos fornecem estratégias projetuais para dialogar com nossas paisagens andinas com base nos conhecimentos e saberes específicos neles preservados.

O autor gostaria de agradecer a Boris Ochoa-Tocachi e Vivien Bonnesoeur por sua revisão e apoio na preparação deste artigo.

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 8 de 14
Andenes en Andamarca, Ayacucho. Image © Douglas Walsh, Asociación Andina Cusichaca

Bibliografia.

Blanco, O. (1988). 'Tecnología andina. Un caso: fundamentos científicos de la tecnología agrícola'. En Teresa Gianella (compliadora). Tecnología y desarrollo en el Perú. Lima: Coordinadora de Ciencia y Tecnología en los Andes (CCTA). pp. 181-215.

Butzer, K. (1982). Archeology as human ecology: Method and theory for a contextual approach. Cambridge: Cambridge University Press.

Canziani, Jose (2006). El Imperio Inka: La integración macroregional andina y el apogeo de la planificación territorial. Cuadernos Arquitectura y Ciudad, n. 2. Lima: Departamento de Arquitectura. Pontificia Universidad Católica del Perú.

Canziani, J. (2007). Paisajes culturales y desarrollo territorial en los Andes. Cuadernos Arquitectura y Ciudad, n. 5. Lima: Departamento de Arquitectura. Pontificia Universidad Católica del Perú.

Crousse, J. P. (2016). El paisaje peruano. Lima: Fondo Editorial PUCP.

Donkin, R. (1979). Agricultural terracing in the aboriginal New World. Tucson: University of Arizona press.

Goudie, A. (1986). The human impact on the natural environment. Oxford: Basil Blackwell.

Hillel, D. (1991). Out of the Earth: Civilization and life of the soil. Berkeley: University of California Press.

Kendall, A. & Rodríguez, A. (2009). Desarrollo y perspectivas de los sistemas de andenería de los Andes centrales del Perú. Cuzco: Institut français d’études andines

Llerena, C.A., Inbar, M., y Benavides, M.A. (Eds.) (2004). Conservación y abandono de andenes. Universidad Nacional Agraria La Molina, Universidad de Haifa, Lima, Perú

Masson, L. & Cotler, H. (1986) Inventario, evaluación y uso de los andenes en la subcuenca del río Rímac. Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología, Lima.

Moreno de las Heras, M., Lindenberger, F., Latron, J. & Lana-Renault, N. (2019). Hydrogeomorphological consequences of the abandonment of agricultural terraces in the Mediterranean region: Key controlling factors and landscape stability patterns. Geomorphology, 333, 73–91.

Posthumus, H. (2005). Adoption of terraces in the Peruvian Andes. Doctoral Thesis Wageningen University

Programa de Desarrollo Productivo Agrario Rural – AGRO RURAL (2021). Andenes para la Vida.
Inventario y caracterización de andenes en los andes tropicales del Perú. Lima, Perú.

Sandor, J. A. & Eash, N. S. (1995). Ancient agricultural soils in the Andes of southern Peru. Soil Science Society of America Journal, 59(1), 170-179.

Wei, W., Chen, D., Wang, L., Daryanto, S., Chen, L., Yua, Y., Lu, Y., Sun, G. & Feng, T. (2016). Global synthesis of the classifications, distributions, benefits and issues of terracing. Earth-Science Reviews 159, 388-403.

Willems, B.; Leyva, W.; Taboada, R.; Bonnesoeur, V.; Román, F.; Ochoa-Tocachi; B.,Buytaert, W.; Walsh, D. (2021). Impactos de andenes y terrazas en el agua y los suelos: ¿Qué sabemos?. Proyecto Infraestructura Natural para la Seguridad Hídrica.

Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem  - Imagem 5 de 14
Andenes en Andamarca, Ayacucho. Image © Douglas Walsh, Asociación Andina Cusichaca

Galeria de Imagens

Ver tudoMostrar menos
Sobre este autor
Cita: Vivas, Diego. "Entendendo os terraços andinos: infraestrutura natural e paisagem " [Andenes y terrazas: infraestructuras naturales y paisajes andinos] 06 Set 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Daudén, Julia) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/988409/entendendo-os-terracos-andinos-infraestrutura-natural-e-paisagem> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.