Como construir espaços públicos para meninas adolescentes

Meninas adolescentes não são crianças nem adultas, o que significa que elas têm necessidades e comportamentos específicos diferentes desses dois grupos. Infelizmente, como muitos grupos marginalizados, essas necessidades e comportamentos não são atendidos ou incentivados em nosso ambiente construído, como aconteceu com outros. Por exemplo, playgrounds são construídos para as crianças e quadras esportivas que estimulam a competição são direcionadas para homens e meninos adolescentes.

Assim, não construir espaços públicos com as necessidades das meninas adolescentes em mente permite que outros grupos de pessoas, predominantemente homens que já ocupam 80% dos espaços públicos, continuem a dominá-los. Fazendo meninas adolescentes se sentirem dez vezes menos seguras em espaços públicos. Essa ausência não apenas afeta seu desenvolvimento social, físico e mental, mas também complica a maneira como elas veem seu lugar nos espaços públicos.

Meninas adolescentes precisam de espaços que incorporem suas próprias necessidades. Para entender quais são essas necessidades e como elas podem ser atendidas por meio de nosso ambiente construído, destacamos três organizações e indivíduos europeus abaixo que mostram como construir espaços para meninas adolescentes, também.

Espaços para conversar, estar e socializar

Make Space for Girls é uma organização sem fins lucrativos do Reino Unido que faz campanhas para que parques e espaços públicos sejam projetados para meninas adolescentes por meio de pesquisa e engajamento público. A co-fundadora, Susannah Walker, reflete sobre sua adolescência para dirigir a pesquisa, explicando que “no final das férias de verão, meu amigo e eu ficamos sem dinheiro… não havia para onde ir. Então, íamos passear nos balanços... era melhor do que ficar em casa”. Como os balanços geralmente são construídos para corpos menores e colocados em áreas para crianças menores, “se os adolescentes os usam, eles são vistos como invasores” afirma Susannah.

A organização sem fins lucrativos descobriu que as adolescentes querem promover a interação, pois o grupo enfrenta barreiras em espaços que já são tipicamente construídos para interação. Isso é, não terem dinheiro suficiente para encontrar os amigos em restaurantes e cafés (onde os adultos convivem) e serem vistas como invasoras nos playgrounds (onde as crianças socializam). Make Space for Girls está trabalhando para abordar as experiências “intermediárias”, criando espaços confortáveis e acessíveis para conversar, relaxar e socializar.

As lições da pesquisa mostram que as cidades precisam adicionar bancos em áreas como parques, quadras de recreação e praças públicas, organizados em estilos diferentes. Sentar em um semicírculo, uma de frente para a outra, e plataformas de vários níveis são configurações bem-sucedidas para promover a interação que as adolescentes desejam.

Nessa idade, é crucial que as meninas adolescentes desenvolvam seus laços sociais e habilidades. O trabalho de Susannah procura ajudar meninas adolescentes “tentando dar-lhes abertura ou alguma liberdade na cidade”.

Como construir espaços públicos para meninas adolescentes - Imagem 4 de 4
Meninas adolescentes sentadas em balanços interativos em Copenhague, 2022. Imagem © Sharee Hochman

Espaços para ser Ativo

O escritório de arquitetura sueco, White Arkitekter, criou o projeto Flickrum, que co-projeta espaços públicos com meninas adolescentes para desenvolver métodos práticos e equitativos. O projeto começou depois que um município quis incentivar o ciclismo entre mulheres e meninas, o que encorajou a empresa a consultar o grupo-alvo. A White Arkitekter descobriu que as meninas adolescentes não queriam andar de bicicleta em ambientes que promoviam a competição, como quem poderia pedalar mais rápido ou por mais tempo. Em vez disso, “tratava-se de andar de bicicleta lentamente, experimentar coisas diferentes e fazer isso em grupo”, diz Rebbecca Rubin, membro do White Arkitekter.

Meninas adolescentes querem espaços que sejam mais do que apenas para movimento, elas também querem ser sociais e criativas em suas atividades. O grupo expressou ao White Arkitekter que, para aumentar seu desejo de andar de bicicleta, elas gostariam de um local para pedalar, onde pudessem fazer paradas para conversar. Uma infraestrutura que permite pedalar lado a lado para conversar, sem se sentir “no caminho” de ciclistas velozes e recreativos (predominantemente homens). Nesse sentido, implementar instalações e parques ao longo de ciclovias amplas e protegidas é uma maneira de atender às necessidades das meninas adolescentes e incentivar a atividade.

É possível também construir traves de equilíbrio ao ar livre, pistas de patinação pequenas e médias, pistas de skate e paredes de escalada, onde elas possam mover seus corpos e falhar sem julgamento ou vaias. Além disso, também são válidas plataformas para ouvir e dançar música sem ter que pagar ingresso para um festival ou aula de dança. Trata-se de encontrar maneiras de incentivar a atividade física que equilibre as artes, esportes e brincadeiras livres, não apenas competição.

Projetar lugares para o objetivo do movimento - que não é apenas sobre competição - dá às meninas adolescentes a opção de mover seus corpos de maneiras que sejam confortáveis, interessantes e convenientes para elas.

Como construir espaços públicos para meninas adolescentes - Imagem 2 de 4
Duas adolescentes andando de bicicleta sobre uma ponte de transporte compartilhada em Copenhague, 2022. Imagem © Sharee Hochman

Espaços que parecem seguros

A artista e urbanista Carmel Keren é a pesquisadora por trás do GUrL, um projeto de pesquisa em andamento baseado na sua prática como bolsista do ZK/UBerlin, apoiado pelo Arts Council England. Através de trocas de e-mail com Carmel, ela explicou que está usando um período de seis meses para trabalhar diretamente com meninas adolescentes em Berlim e aprender sobre suas experiências no ambiente construído. Para se envolver com esse grupo ela realiza oficinas e observações por meio das quais desenvolve seu material de projeto. Durante sua pesquisa, a palavra “segurança” apareceu recorrentemente ao falar com adolescentes sobre espaços públicos. Notavelmente, ficou claro para Carmel que uma “sensação de segurança nem sempre pode ser resolvida através do desenho” (pense na citação de Leslie Kern “nenhuma quantidade de iluminação desmantelará o patriarcado”).

Meninas adolescentes querem se sentir seguras em espaços públicos mais além de ter intervenções físicas, como iluminação. Elas querem ocupar espaços e quebrar as normas sociais e culturais existentes de que homens e meninos dominam os espaços públicos. Normas como “man-spreading”, lotar o espaço pessoal das mulheres nas calçadas e bancos, e falar alto em seus dispositivos móveis ou entre si. Estes são uma continuação de comportamentos originados de leis que historicamente segregavam as mulheres em “espaços masculinos”. Em algumas culturas - essas dinâmicas ainda são esperadas e aceitas.

Carmel mudou sua abordagem para tratar da segurança em espaços públicos, não se concentrando no desenho tradicional (por exemplo, iluminação adicional), mas “criando experiências significativas que dão às meninas voz e poder para ocupar e dominar espaços em sua cidade”.

Trabalhando intensamente com um grupo de meninas de origem predominantemente muçulmana da primeira geração de imigrantes, o GUrL vem usando intervenções públicas para refletir e mudar as dinâmicas de poder que atualmente moldam os espaços públicos. Para isso, elas se tornaram mais visíveis em espaços públicos (algo que muitas vezes as meninas adolescentes são ensinadas a fazer o contrário) andando pelas ruas como um “DJ público”, carregando alto-falantes para tocar suas músicas favoritas para todos ouvirem. A atividade utilizou o som para perturbar quem atualmente domina os espaços públicos, com o objetivo de dar às meninas a confiança para continuar a fazê-lo, com ou sem música. Outras atividades de ocupação do espaço incluíram a ocupação performática de espaços públicos com a palavra falada, faixas e figurinos desenhados pelas meninas. O grupo desfilou por um parque anteriormente descrito como “chato”, que ganhou um novo significado com os adereços que trouxeram, permitindo-lhes falar alto sobre temas que importavam para elas.

Por volta dessa idade é quando os indivíduos começam a navegar onde eles pertencem na sociedade. Se continuarmos permitindo a dominação típica dos espaços públicos, estamos dizendo às adolescentes como elas devem agir e se ver nesses espaços. Dar acesso, recursos e incentivo a meninas adolescentes para ocupar espaços que sejam significativos para elas pode aliviar as suas preocupações em relação à segurança.

Como construir espaços públicos para meninas adolescentes - Imagem 3 de 4
Grupo de meninas adolescentes andando com seu alto-falante em Berlim, 2022. Imagem © Carmel Keren

Trabalhe com meninas adolescentes para criar espaços inclusivos

As necessidades e comportamentos das meninas adolescentes não foram considerados em muitos de nossos ambientes construídos, fazendo com que elas se sintam menos seguras em espaços públicos. Para ajudar a atender as necessidades desse grupo e dar-lhes espaço em nosso desenho urbano, precisamos trabalhar com elas.

Colaborar com esse grupo traz insights valiosos sobre a criação de espaços mais inclusivos que normalmente foram ignorados. Identificou-se o que pode tornar os espaços de socialização mais acessíveis e confortáveis; como a atividade física pode se tornar mais atrativa e acessível e a reflexão sobre o que significa segurança para esse grupo além das intervenções físicas.

Os exemplos europeus acima podem fornecer inspiração e orientação para a implementação de estratégias semelhantes. Pelo que foi demonstrado, primeiramente, é preciso ouvir as meninas adolescentes e entender suas necessidades. Um parque, uma ciclovia e um espaço público de cada vez.

De que outras maneiras podemos incluir meninas adolescentes em espaços públicos?

Este artigo foi publicado originalmente em Women in Urbanism Canada.

Este artigo é parte dos Tópicos do ArchDaily: Mulheres na arquitetura. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos do ArchDaily. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.

Além disso, convidamos você a assistir ao lançamento de Women in Architecture, um documentário realizado pela Sky-Frame sobre três arquitetas inspiradoras: Gabriela Carrillo, Johanna Meyer-Grohbrügge e Toshiko Mori. O filme será lançado no dia 3 de novembro de 2022.

Remind me about the online premiere of "Women in Architecture"

Sobre este autor
Cita: Hochman, Sharee. "Como construir espaços públicos para meninas adolescentes" [How to Build Public Spaces for Teen Girls] 13 Nov 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Ghisleni, Camilla) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/991008/como-construir-espacos-publicos-para-meninas-adolescentes> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.