Imagine que você tem agendada uma visita à uma edificação muito importante para a história da arquitetura, uma obra-referência para todos os entusiastas do meio. Você provavelmente se equiparia com uma câmera fotográfica ou um bom celular, em alguns casos, levaria lápis, caderno e até uma trena para registrar curiosamente todos os seus aspectos.
Hoje em dia, entretanto, esse não é único meio pelo qual podemos “visitar” uma edificação de importância histórica ou, pelo menos, é o que alguns pesquisadores estão se esforçando em mostrar. Além de todas as facetas assumidas pelo metaverso, está sendo explorado também o seu papel na preservação histórica da arquitetura e da cultura de determinados locais, gerando materiais disponíveis para diferentes gerações.
Nesse sentido, algumas edificações históricas importantes estão sendo recriadas no metaverso. As réplicas, conhecidas como “gêmeos digitais”, são desenvolvidas por meio de um cuidadoso levantamento da edificação utilizando tecnologias como scanners a laser e tripés telescópicos. O resultado final é uma imagem 3D altamente detalhada, uma “nuvem de pontos” que – quando bem elaborada – difere apenas alguns milímetros das dimensões reais.
As vantagens dessa tecnologia são inegáveis. Ignorando barreias geográficas, elas tornam espaços e obras mais acessíveis a população de todo o mundo. Aceleradas pela pandemia de Covid-19, muitas iniciativas de digitalização de museus e edifícios históricos foram criadas nos últimos anos, tendo como principal intuito angariar fundos para a preservação física de tais espaços. Recebendo visitas ou sediando eventos e encontros virtuais, castelos e museus estão se inserindo no que se chama hoje de experiências de turismo no metaverso. A principal “graça” dessas apropriações virtuais é que elas vão além do que seria possível no mundo físico, gerando experiências inusitadas como, por exemplo, acompanhar uma partida de tênis em um dos salões de baile do Palácio de Versalhes.
Agora, falando em surrealismo, imagine poder visitar a casa White U do Toyo Ito ou o complexo habitacional Pruitt-Igoe nos Estados Unidos. Pode não ser possível recriar essas estruturas no mundo real, mas se aventurar por elas no espaço digital é outra grande aposta do metaverso em termos de preservação arquitetônica e cultural. Nesse sentido, têm surgido inúmeras iniciativas as quais recriam virtualmente edificações importantes para a história da arquitetura que foram demolidas ou, pelo menos, descaracterizadas ao longo dos anos. Um dos exemplos mais marcantes e atuais é o mapeamento virtual e a futura exposição no metaverso da famosa Nakagin Capsule Tower, no Japão. Ao combinar dados de levantamento a laser e fotografias obtidas por câmeras SLR e drones, antes de iniciar a sua demolição, todo o edifício foi escaneado em três dimensões. As reformas feitas pelos moradores e a aparência das cápsulas ao longo do tempo também foram registradas. O arquivo digital da Nakagin Capsule Tower visa gerar um edifício baseado em dados de medição detalhados e construir um local onde as pessoas possam se reunir novamente por meio do metaverso.
Utilizar o metaverso como ferramenta de preservação histórica dos edifícios, entretanto, gera uma série de discussões relacionadas principalmente ao aspecto intangível da arquitetura. Ter vivido a experiência de sentir o sol, que passa discretamente pela pequena fresta da cobertura na casa White U, esquentando a pele no inverno é uma sensação que não consegue ser reproduzida no espaço virtual, assim como tocar a superfície asséptica dos enclausurados banheiros das cápsulas da Nakagin Tower. Os "olhos da pele" que o arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa tanto postulou ao longo dos anos definitivamente não se aplicariam a estas réplicas virtuais. Dessa forma, é importante entender o metaverso como uma nova ferramenta de preservação e, principalmente, de estudo da cultura arquitetônica, mas que está muito longe de se enquadrar como uma substituição do real. No metaverso são criados outros parâmetros para experimentar a arquitetura, estímulos limitados aos impulsos visuais e sonoros.
A ideia, no entanto, tem seus méritos já que traduz edificações importantes para história da arquitetura em uma linguagem fácil e acessível para as novas gerações, possibilitando uma melhor compreensão sobre a cultura arquitetônica e suas origens. E, mesmo se tratando de réplicas da história, essas edificações inseridas em outros contextos permitem novas narrativas marcadas pela ludicidade, cinematografia e certo surrealismo característicos da cultura digital. O desafio consiste em não compará-las com suas versões concretas, mas entendê-las como uma possibilidade de análise e apropriação sob uma nova perspectiva.