O trabalho nos canteiros de obras é uma etapa fundamental na formação do ambiente construído. A maioria dos arquitetos, designers ou engenheiros já se envolveu com canteiros de obras em um momento ou outro e entende a importância de fazer parte dessa etapa do ponto de vista do desenvolvimento do projeto. Trabalhar em canteiros de obras pode ser uma experiência de aprendizado valiosa e permite que as opiniões de vários especialistas sejam levadas em consideração para moldar um ambiente melhor para todos. Partindo desta ideia, e à medida que nos aprofundamos no tema do ArchDaily, Mulheres na Arquitetura, convidamos nossos usuários durante o mês de outubro a compartilhar sua opinião sobre discriminação de gênero nos canteiros de obras.
O objetivo foi expor diferentes visões e iniciar uma conversa sobre uma situação que, segundo a pesquisa anual do Architects' Journal (AJ), pode se tornar obstrutiva e limitar as oportunidades de crescimento ou instâncias criativas de algumas integrantes da indústria arquitetônica. Estendemos este apelo, não para desenvolver uma pesquisa científica, mas para engajar nossa comunidade global e coletar histórias de diferentes regiões destacando uma pequena parte de uma realidade muito maior e mais complexa.
Em duas semanas recebemos em todas as nossas plataformas, 127 respostas de todo o mundo: América Central e do Sul (41%), América do Norte e Europa (39,5%), Ásia e África (18%) e Oceania (1,5 %). O formulário estava aberto a todos os membros da comunidade relacionados à construção, e os usuários não precisavam se identificar em termos de identidade de gênero. A maioria das respostas veio de arquitetos que trabalham em tempo integral (67%) ou meio período (12%) em canteiros de obras, enquanto o restante não trabalha mais em canteiros (21%).
Apesar de algumas disparidades entre as respostas de cada região, em geral elas apresentam aspectos comuns e sugerem a presença de certo tipo de desequilíbrio no contexto considerado. Agrupamos os comentários em categorias recorrentes, incluindo: Falta de reconhecimento das habilidades profissionais; Assédio e desconforto no ambiente de trabalho; Discriminação positiva ou inexistência de discriminação; Desencorajamento e impacto no crescimento profissional.
Falta de reconhecimento das habilidades profissionais
Muitas das experiências compartilhadas apontam para uma cooperação desigual entre trabalhadores, construtores, empreiteiros e colegas com mulheres arquitetas, engenheiras ou construtoras, levando a uma dificuldade de validação profissional na obra.
Em geral, no Chile, a cultura dos trabalhadores da construção civil tende a denegrir as habilidades técnicas quando desempenhadas por mulheres. Minimizando suas opiniões por não considerar as instruções da mesma forma como se fossem feitas por um homem. Chile
"Uma colega (mulher) não recebe a mesma importância em comparação com seus colegas homens, e suas ideias e sugestões são comparadas com as dos colegas homens da mesma função". _Índia
"Em uma situação na qual eu era a arquiteta principal e responsável pela execução do projeto, o empreiteiro e os construtores não estavam direcionando suas dúvidas para mim, mas estavam conversando com outro arquiteto (homem) que estava trabalhando comigo no local. Eu fui deixada de fora, não porque era incompetente, mas porque eles sentiram que assim poderiam lidar/resolver as dúvidas que tinham." _Reino Unido
"As opiniões das colegas não foram levadas em consideração. Além das tarefas mínimas atribuídas a elas, a maioria dos funcionários não gostou do fato de uma mulher estar trabalhando no local." _ Líbano
“Como construtora, aconteceu-me que outros operários não queriam falar de trabalho comigo, somente com o meu patrão (não porque ele era meu patrão, mas porque ele é homem e eu sou mulher). Aconteceu também que as pessoas perguntavam sobre os pedreiros e quando eu respondia "aqui estou" elas riam de mim." _Itália
Assédio e desconforto no ambiente de trabalho
Outros relatos mencionam interações recorrentes que fizeram com que as mulheres se sentissem indesejadas, desconfortáveis e, em alguns casos, até mesmo assediadas no canteiro de obras.
As mulheres são tratadas de forma diferente dos homens. Nossa aparência física, nossa beleza e coisas irrelevantes são mencionadas no contexto do canteiro de obras. Além dos olhares de assédio vindos da equipe de construção. _ México
"Já trabalhei na gestão de canteiros de obras e fui chamada de querida e amada. Já vi outros carpinteiros ignorarem a abordagem de uma colega carpinteira e duvidarem de sua capacidade. Os homens supõem que precisam te ajudar."_ Estados Unidos
"O encarregado de uma das obras onde eu era a arquiteta responsável me assediou por mensagem de texto em um domingo, insinuando que queria estar comigo naquele momento." _Brasil
"Eu estava recentemente em um canteiro de obras e alguns homens fizeram comentários sobre minha aparência e como me visto."_ Reino Unido
"Perdi a conta das vezes em que fui até um homem para um aperto de mão, tanto no canteiro de obras quanto em salas de reunião cheias de homens, e fui ignorada e deixada com a mão estendida."_Estados Unidos
Discriminação positiva ou inexistência de discriminação
Alguns dos que responderam manifestaram uma posição diferente, explicando que não havia diferença de tratamento com base no gênero nos canteiros de obras onde trabalharam, enquanto alguns chegaram a considerar que existe um tratamento preferencial às mulheres.
Não presenciei nenhuma discriminação com base no sexo, apenas com base no mérito. _Republica Checa
“Em muitas situações, as mulheres que trabalham na obra recebem melhor tratamento por parte dos superiores do que os homens, e no caso das licenças maternidade, estas são prorrogadas até um ano, as mulheres obtêm mais autorizações para realizar tarefas que não são laborais e recebem menos represarias frente aos erros." _Pimenta
“Como homem, também vivi isso / e também presenciei o contrário em relação às mulheres: ser muito valorizado por um empreiteiro” _ África do Sul
"Não há discriminação nas equipes de construção." _Peru
Desencorajamento e impacto no crescimento profissional
80% das respostas descreveram o esforço e a luta extra que muitas mulheres passaram para continuar trabalhando nos canteiros de obras. Isso pode diminuir seu entusiasmo pela carreira e, na opinião deles, limitar as oportunidades de aprendizado e crescimento.
Já ouvi falar de chefes do sexo feminino que não contratam outras mulheres porque temiam constrangimento ou abuso de outros funcionários. _Brasil
"No meu segundo emprego como diretora técnica, o encarregado não me olhava na cara quando eu falava com ele, e se eu lhe perguntasse alguma coisa, ele respondia ao meu colega. Acabei pedindo demissão diante dessa situação." _ Argentina
"Em geral, tanto os clientes quanto os trabalhadores não confiam tanto nas mulheres neste ambiente técnico. Na Áustria, as coisas estão mudando para melhor, à medida que mais e mais mulheres vão para engenharia e arquitetura." _ Áustria
É desconcertante e afeta sua mente a tentativa de constantemente se manter firme, levantar sua voz e quase agir como um homem para ser ouvida, mas viver isso e ter a paixão que tenho pela arquitetura me faz querer continuar e mudar a mentalidade dessas pessoas. _Reino Unido
Trabalhando em frente
Apesar de todas as dificuldades apontadas, surgiram muitas respostas que transmitem uma vontade e uma abertura para enfrentar esta iniquidade com a esperança de um futuro melhor. Algumas até mencionam que já notaram melhorias e que seus colegas, funcionários e elas mesmas estão tomando medidas positivas para garantir um ambiente mais inclusivo e esperançoso.
"Estou na construção há mais de 25 anos, a situação melhorou e agora a desigualdade é mais sutil." _Austrália
"Os homens ignoram seu conhecimento e muitas vezes não reconhecem seu esforço, MAS eu uso todos esses pontos para provar que eles estão errados. Minha mãe sempre me diz que somos nossas ações e não nossas palavras. Eu trabalho muito para erradicar os preconceitos." _Canadá
Em nossa pequena empresa, a visão mudou ao longo dos anos; sim, está melhorando. _Áustria
Como arquitetos e construtores, nos encontramos em um momento desafiador em que novas tecnologias, novas formas de entender a sociedade e uma perspectiva sustentável nos fazem questionar os paradigmas e a forma como nos gerenciamos; especialmente em canteiros de obras. Sendo assim, fica evidente que devemos aproveitar essa oportunidade para nos questionarmos diante de temas como o papel da mulher, o tratamento e a representação de gênero nos canteiros de obras.
É um problema sociocultural profundamente enraizado na mentalidade das pessoas, que leva a este tipo de comportamento subconsciente. Conscientizar e sensibilizar as pessoas é uma tarefa de paciência e persistência. _Índia
Por fim, cabe destacar que sempre é possível promover o espaço para compartilhar preocupações e propor soluções. Existem iniciativas em todo o mundo que empoderam as mulheres na arquitetura e nos canteiros de obras. Organizações e cooperativas como Concreto Rosa e Arquitetura na Periferia (Brasil) ou Warchée (Líbano) trabalham ativamente para integrar as mulheres no campo da construção por meio de diferentes projetos.
Este artigo é parte dos Tópicos do ArchDaily: Mulheres na arquitetura. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos do ArchDaily. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.
Além disso, convidamos você a assistir ao lançamento de Women in Architecture, um documentário realizado pela Sky-Frame sobre três arquitetas inspiradoras: Gabriela Carrillo, Johanna Meyer-Grohbrügge e Toshiko Mori. O filme será lançado no dia 3 de novembro de 2022.
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