A obsessão de Buckminster Fuller pelas formas geodésicas as colocaram na história da arquitetura. A aparência esférica e o complexo tramado estrutural ganharam diferentes apropriações e escalas ao longo dos anos, sendo uma das obras mais icônicas a Biosfera de Montreal, o pavilhão dos Estados Unidos para a Exposição Mundial de 1967, projetada pelo próprio arquiteto. Essas estruturas emergiram dos seus interesses na eficiência material, integridade estrutural e modularidade, aspectos que, já na década de 60, o arquiteto entendia como primordiais para o que se esperava de uma intervenção sustentável e facilmente replicável.
Passados quase 50 anos desde a inauguração da Biosfera de Montreal, hoje as cúpulas geodésicas têm assumido um outro papel dentro do âmbito arquitetônico. Na relação entre sua complexa forma e as preocupações de sustentabilidade inerentes ao nosso contexto global, os elementos de Fuller estão se desdobrando no que se chama de biodomos.
Na junção das palavras, os biodomos podem ser entendidos como “cúpulas de biomas” que, por definição, seriam grandes ambientes internos controlados nos quais plantas e animais — de regiões muito mais quentes ou frias do que o local de inserção — podem ser mantidos nas condições naturais de seus próprios ecossistemas. Um dos grandes exemplos de biodomo é o Eden Project, construído em 2001 no Reino Unido, que abriga a maior estufa em biodomo do mundo. Suas geodésicas reproduzem três biomas com climas diferentes: tropical, mediterrâneo e temperado, típico daquele local. Apesar da clara inspiração nas estruturas de Buckminister Fuller, este biodomo apresenta inovações quanto ao uso de materiais como, por exemplo, a estrutura tubular de aço com painéis hexagonais de termoplástico etileno tetrafluoretileno (ETFE) substituindo o uso de vidro, que é pesado demais para ser usado.
O sucesso do Eden Project do Reino Unido foi tão grande que se criou uma “marca” em torno desse conceito, e hoje já existem mais de dez “estruturas Eden” plenejada para diferentes partes do mundo. Alinhando sustentabilidade e inovação em uma apropriação contemporânea das geodésicas de Fuller, destaca-se também o Storm Forest Biome no campus universitário de Qingdao, China, com previsão para ser inaugurado em 2023. Uma estrutura maior que as cúpulas do Eden Project, que abrangerá um espaço vegetado de mais de 27 mil metros quadrados. O projeto mostrará o ciclo atmosférico da água em grande escala, demonstrando sua importância em um ambiente imersivo. Além dele, também é possível citar o Eden Project North em Morecambe, Lancashire, com inauguração prevista para 2024, ambos trazendo diferentes interpretações das formas geodésicas clássicas.
Por sua principal característica de possibilitar a criação de uma atmosfera ambiental completamente diferente do entorno, os biodomos, além de serem utilizados para reproduzir distintos biomas em uma mesma região, também estão sendo usados para replicar situações extremas que envolvem, inclusive, a simulação de atmosferas de outros planetas. A Mars Science City, ousado projeto do BIG nos Emirados Árabes que servirá de "modelo viável e realista" para a simulação da ocupação humana na paisagem marciana, utilizará um biodomo de 1,9 milhão de metros quadrados e se tornará a maior cidade de simulação espacial já construída. Este espaço permitirá aos pesquisadores testar estratégias de construção e de vida sob níveis específicos de calor e radiação marciana.
Da pesquisa científica para o ecoturismo de alto padrão, nesse mesmo país, destaca-se também o projeto para o Eco Resort Group composto pro biodomos autossustentáveis feitos a partir de “componentes pré-fabricados para minimizar a perturbação do ambiente e permitir a montagem rápida no local”. De dentro das esferas, os visitantes poderão ver a paisagem quase sem obstáculos. Mas com o resfriamento passivo, as cúpulas garantirão temperaturas mais confortáveis dentro do que fora da estrutura.
Os biodomos também estão sendo usados para trazer vegetação e clima tropical em meio ao ambiente extremo da Islândia. O Aldin Biodomes oferecerá aos moradores e visitantes um oásis tropical e um ponto de encontro durante todo o ano, melhorando o bem-estar durante os meses escuros de inverno da região.
Para quem está se perguntando o porquê da escolha desse mesmo padrão formal em situações e climas tão diferentes, vale relembrar as vantagens das cúpulas geodésicas. Primeiramente por sua resistência estrutural devido à superfície triangulada que fornece uma estrutura inerentemente estável, com uma resistência natural a fatores externos como terremotos e ventos, carregando até 20 toneladas por ponto da estrutura.
Além disso, o design esférico resulta na circulação de ar altamente eficiente no verão e no inverno, já que, sua forma contínua sem cantos estagnados, exige menos energia para circular o ar e manter as temperaturas uniformes. A energia necessária para aquecer e resfriar uma geodésica é aproximadamente 30% menor do que uma construção convencional. Nesse sentido, destaca-se o fato de que uma menor área de superfície torna a cúpula menos suscetível a mudanças de temperatura e, portanto, mais barata para ser aquecida e resfriada em comparação com as estruturas convencionais.
As possibilidades dessa clássica estrutura são inúmeras, e nisso, um grande potencial para usos inovadores e ousados tem sido explorado. Fuller parecia certo quando relacionou sua invenção com sustentabilidade e modularidade, entretanto, é possível notar que os biodomos se encontram no limiar entre preocupação ambiental e essa ânsia humana em controlar a natureza, testando os limites da arquitetura e da ciência de uma forma que o próprio arquiteto se surpreenderia se pudesse ver até onde sua invenção chegou.