Vivendo em um casulo: o fascínio pelas habitações mínimas e portáteis

“Com o perdão do mestre [Le Corbusier], a casa é uma máquina para carregar consigo e a cidade uma máquina a qual conectar-se”. Essa frase foi dita há quase 60 anos por David Greene, arquiteto fundador do grupo inglês Archigram, em ocasião da apresentação do Living Pod, um estudo para uma casa cápsula que poderia se transformar em um trailer. A ideia principal era que a estrutura pudesse ser conectada e desconectada das cidades dando forma à Plug-In City. Seu interior mínimo a delimitava como uma cápsula hermética, pequena e confortável, com o espaço pensado a partir de compartimentos planejados para múltiplos usos. O Living Pod foi um dentre tantos outros projetos igualmente utópicos e ousados desse grupo que parecia ter uma fixação em estruturas nômades e mutantes como a Walking City e a Instant City.

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The Plug-In City, 1964 / Peter Cook, Archigram. Cortesia de Peter Cook vía Archigram Archives

No entanto, o Archigram não era o único entusiasta das estruturas nômades e mínimas nessa época. Também na metade dos anos 60, o arquiteto finlandês Matti Suuronen começou a trabalhar nas cápsulas chamadas de Futuro. Sua invenção — mais palpável do que os estudos do grupo inglês — tinha formato de OVNI, era forrada por carpete felpudo, possuía um quarto grande e um banheiro minúsculo e chegou a ser vendida por cerca de US$12.000 a US$14.000 na época. Os compradores poderiam recebê-la em caminhão (dividida em 16 segmentos) ou helicóptero (já montada), mobiliada ou não. A ideia em torno da “Futuro” era aproveitar a tecnologia da era espacial e atender às tendências sociais que emergiam no momento, como maior tempo para lazer e mobilidade. A casa do futuro, acreditavam eles, deveria ser uma unidade dinâmica e portátil.

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Cápsula Futuro sendo transportada. Flickr user under attribution-NonCommercial-ShareAlike 2.0 Generic (CC BY-NC-SA 2.0)

Nesse momento, o fascínio pelo encurtamento das distâncias geográficas, que atingia escalas interplanetárias, colocava à prova a estabilidade humana, dando vez ao surgimento de um ser liberto de amarras físicas e psicológicas, obcecado por imagens e mitos de velocidade e mobilidade. Em tal contexto, as cápsulas materializavam esse desejo ao mesmo tempo em que representavam a personificação da contracultura por serem inteiramente dedicadas ao descanso. Não havia espaços de trabalho ou outras atividades específicas, elas traziam a pura experiência do “domo do prazer”.

Esse “futuro”, porém, nunca aconteceu. No caso do projeto finlandês, por exemplo, apenas 96 estruturas foram construídas, um número muito menor do que o esperado. Além disso, as cápsulas logo se tornaram um símbolo do kitsch retrofuturista, assim como os outros projetos da época que se perderam em estudos utópicos. Porém, mesmo diante do fracasso de algumas tentativas, de tempos em tempos, a ideia da portabilidade voltaria a surgir no meio arquitetônico através de algum projeto ousado e dinâmico, geralmente, embebido de reflexões e críticas aos movimentos arquitetônicos tradicionais e ao modo de vida da sociedade como um todo. O arquiteto Toyo Ito foi um dos renomados profissionais que trouxeram novamente ao debate as estruturas portáteis. Com suas instalações Pao 1, 1985 e Pao 2, 1989, Ito projetou abrigos para a mulher nômade, “independente, ociosa e consumista”. Suas estruturas eram compostas por elementos que se afastam do tradicional funcionalismo doméstico, representando o mais inerente da vivência diária (toucador, mesa de telecomunicações e cadeira de descanso). A ideia do espaço mínimo feito exclusivamente para o ócio é revivido por meio das estruturas leves de Ito, como uma demonstração que, de fato, o fascínio pelas estruturas mínimas e nômades nunca desapareceu por completo na história da arquitetura.

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Cápsula Futuro abandonada. Photo by True British Metal flickr under attribution-NonCommercial-ShareAlike 2.0 Generic (CC BY-NC-SA 2.0)

Hoje em dia, essas estruturas mínimas têm assumido um interessante papel o qual não apenas fomenta a ideia de viver em completa dinamicidade — pretensão ainda atual mesmo 60 anos depois — como também agrega a experiência imersiva de habitar lugares inóspitos, onde é possível viver e contemplar a natureza sem abrir mão do conforto e da comodidade. Mais conhecidas como pods (em inglês “casulo”), a versão contemporânea das capsulas Futuro ainda são associadas às referências da era espacial e temas intergalácticos ganhando popularidade como uma nova experiência arquitetônica. Nesse contexto, à medida que a tecnologia avança, estratégias materiais e estruturais são aplicadas nas pequenas cápsulas, tornando-as protótipos de muitas inovações, como os abrigos marcianos feitos com impressora 3D pela empresa AI SpaceFactory para a NASA.

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AI SpaceFactory constrói protótipo marciano com impressão 3D para a NASA. MARSHA. Cortesia de AI SpaceFactory

Se em Marte as cápsulas serão feitas com impressão 3D, aqui na Terra a tendência parece ser volumes pré-fabricados, finalizados em fábrica, com unidades mínimas modulares que geralmente incluem um pequeno espaço multiuso e um banheiro. E como espaço multiuso leia-se qualquer uso mesmo, visto que a ideia dos “pod offices” tem ganhado protagonismo nos últimos anos, principalmente, depois da pandemia. Essas cápsulas portáteis podem ser montadas em regiões remotas ou no jardim de casa já que são independentes, ou seja, não precisam ser fixadas em nenhuma superfície de piso ou parede.

Entretanto, apesar do uso como escritório, a utopia do espaço de lazer continua regendo a maioria das invenções desse gênero. Os SeaPods, projetados pelo arquiteto Koen Olthuis, são exemplos interessantes de pequenas casas que repousam sobre um pilar de aço com três pontos de ancoragem flutuantes que equilibram a estrutura ao longo da costa. Situadas 60cm acima das ondas, elas podem acomodar até dois hóspedes e garantem uma experiência imersiva marcante. A ideia é que sejam instaladas nas áreas costeiras gerando novas opções imobiliárias para aluguel por temporada ou pequenas residências de longo prazo. Além disso, outra característica interessante é o fato de que nos SeaPods todos os resíduos serão incinerados em cinzas não tóxicas e o calor residual será usado aquecer a água do chuveiro. Falando nisso, as casas obtêm sua própria água dessalinizando a água do mar, atingindo até 90% de reutilização. Os primeiros SeaPods estão atualmente sendo construídos no Panamá.

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The Escape Pod / Podmakers. © Tim Brotherton

Da água para a terra, outro protótipo semelhante é o SEED. Instaladas em meio à floresta canadense, essas cápsulas permitem que seu habitante ouça os sons da mata, observe as condições climáticas e examine o estado das plantas. Além disso, foram usados sensores e equipamentos especiais conectados às árvores para produzir músicas originais a partir dos movimentos das plantas. Os sensores na floresta são posicionados no solo e nas árvores para transmitir dados em tempo real sobre a saúde das árvores, estado do solo e qualidade do ar.

Com esses exemplos é possível perceber que hoje em dia a inovação está profundamente atrelada a questões ambientais de proteção à natureza. Tendo em vista essa situação, percebe-se que as cápsulas parecem obrigatoriamente voltar-se para o meio natural, incorporando alguma iniciativa de preservação ou criando mecanismos que, de alguma forma, justifique sua inserção em um ambiente antes selvagem. Nesse sentido, há muitos exemplos inovadores de cápsulas habitacionais focadas no turismo e lazer, sem contar as diversas iniciativas que têm surgido para suprir a falta de moradias acessíveis em diferentes partes do globo, assim como auxiliar regiões afetadas por desastres naturais ou refugiados de guerra, de clima etc. As possiblidades são inúmeras, o que nos resta é esperar para ver se aquele “futuro” tão aguardado no passado finalmente chegará.

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Sobre este autor
Cita: Camilla Ghisleni. "Vivendo em um casulo: o fascínio pelas habitações mínimas e portáteis" 07 Jan 2024. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/996924/vivendo-em-um-casulo-o-fascinio-pelas-habitacoes-minimas-e-portateis> ISSN 0719-8906

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