A mudança de um país de quatro estações demarcadas para um com clima tropical em 1973 representou uma nova experiência de vida e, na prática da arquitetura, implicou uma adaptação à nova realidade. O contato com os costumes e hábitos da nova vida que se impunha, assim como a arquitetura tradicional que encontramos, indicou que nossa metodologia de projeto e construção deveria mudar para incorporar este novo mundo com seu clima e suas experiências.
O objetivo era poder projetar espaços confortáveis e com qualidade de vida para as contingências da latitude tropical, mas sem abandonar o objetivo estético e plástico do espaço arquitetônico enquanto uma experiência multissensorial.
A luz existe e é matéria para o espaço arquitetônico quando sua contraparte, a sombra, aparece. Olhando para o céu azul, nenhuma distância pode ser percebida até que uma nuvem apareça, ou uma referência que a luz realce. A luz é o objeto de interesse arquitetônico na medida em que define e caracteriza um espaço, para o qual a sombra é necessária. Ou seja, a luz se torna parte do domínio da arquitetura quando aparece juntamente com a sombra, ou seja, nem luz nem sombra, isoladamente, "existem" para a arquitetura.
Quando a sombra assombra
Formado na racionalidade cartesiana do "penso, logo existo", incorporei o ambiental, existencial e arquitetônico "estou, portanto sou", porque nos trópicos a iluminação da razão leva a propor a sombra para o bem-estar, o que está mais de acordo com as experiências da tropicalidade (Tropical Architecture, Critical Regionalism in the Age of Globalization, editado por Alexander Tzonis, Liane Lefaivre, Bruno Stagno, Wiley-Academy, Londres, 2001).
O clima tropical de sol, chuva, alta temperatura e contato permanente com a vegetação exuberante e a brisa de ar espesso de humidade e cheiros que carregam mensagens, se transformaram em dados difíceis para a concepção arquitetônica. Era necessário ser sensível a estas variáveis. A busca pelo bem-estar era imperativa. Ou seja, bem-estar, que é a sensação de equilíbrio entre corpo e ar, que leva ao descanso para o espírito. E isto se tornou um objetivo primordial de projeto.
Este objetivo deveria se associar aos valores estéticos já conhecidos e às emoções plásticas do espaço arquitetônico, a fim de cumprir e materializar a experiência de qualidade de vida dos moradores. Este objetivo se torna um desafio para o arquiteto.
Quando o sol brilha, a sombra acalma
No clima tropical a sombra é necessária para o bem-estar e, no ofício de projeto, se trabalha a contrapartida da luz. Os dois andam de mãos dadas e cada um contribui com sua função. Ao enfatizar a sombra passamos a entender a importância da penumbra nos espaços, como uma condição apropriada na arquitetura tropical. A penumbra é uma névoa fria que preenche o vazio, envolve e acolhe os moradores depois de expostos à luz externa . Ela participa da criação da atmosfera particular de bem-estar nos edifícios.
Apesar do arquiteto poder, ao trabalhar com luz e sombra, destacar a espacialidade dos volumes e planos para caracterizar o espaço arquitetônico, o controle da luz externa é importante na arquitetura para a latitude tropical.
Se o espaço em penumbra é música silenciosa, então a luz é som e a sombra é silêncio
A sombra existe quando a luz se encontra com um sólido. Sombra e luz, geminadas juntas, qualificam o espaço e lhe dão caráter e significado. Elas o exaltam, provocando estímulos que vão além da realidade material e métrica para alcançar "l'espace indicible", como dizia Le Corbusier. Com luz e sólidos, projetamos a sombra perceptível.
"Nos trópicos, é particularmente interessante conceber o espaço arquitetônico enfatizando o uso da sombra ao invés da luz, pois nesta latitude é a sombra que ilumina a vida, e é a sombra que reúne e promove experiências e encontros, pois a luz, devido à sua intensidade e calor excessivo, incomoda". (Ciudades Tropicales Sostenibles, Pistas para su Diseño; autores Bruno Stagno e Jimena Ugarte, Instituto de Arquitectura Tropical, Costa Rica, 2006).
Se a sombra acaricia o bem estar, a luz tropical o maltrata
Dominar o desenho das sombra na arquitetura para a latitude tropical torna-se uma tarefa essencial no ofício do arquiteto e isto o leva a conceber edifícios com elementos em suas fachadas, tais como sólidos de sombra, para frear a entrada de luz e manter vidros e paredes frescos, seja deixando a luz de fora ou filtrando-a. Isto permite a entrada de ar resfriado e reduz ou elimina o uso de ar condicionado artificial. A vegetação circundante, incorporada ao projeto, ajuda a atenuar a luz e a alcançar a penumbra fria.
Mas a sombra não só proporciona penumbra interna e bem-estar, mas também, no desenho plástico do espaço, a sombra, com sua irmã luz, enfatiza os materiais e lhes dá sua tatilidade. Ela destaca a vontade de ser dos materiais texturizados, de suas ondulações, dos ornamentos, acrescentando materialidade e peso às superfícies. A sombra define os cantos, planos, ângulos, bordas, reentrâncias e espaços entre paredes e tetos. Ela dá corporeidade. A sombra fornece a materialidade da obra construída, enquanto a luz a desvanece e dá profundidade.
Uma arquitetura à luz da sombra
Uma arquitetura à luz da sombra não é um jogo de palavras, é a síntese de uma arquitetura que valoriza o espaço plástico multisensorial e estético, além de fornecer a penumbra para o bem-estar das pessoas. Porque sombra e penumbra são essenciais para o projeto da arquitetura para a altitude tropical.
*Uma Arquitetura à Luz da Sombra, conceito de criação arquitetônica apresentado em artigo de Bruno Stagno no 1º Encontro de Arquitetura Tropical e Urbanismo, 1998 e publicado em Tropical Architecture, Critical Regionalism in the Age of Globalization, editado por Alexander Tzonis, Liane Lefaivre, Bruno Stagno, Wiley-Academy, Londres, 2001 e nas memórias do 1º Encontro de Arquitetura Tropical e Urbanismo editado por Jimena Ugarte. Atividade internacional organizada pelo Instituto de Arquitetura Tropical, San José, Costa Rica. 2008. Editado e atualizado para este artigo.