No início de 2022, a curadora Lesley Lokko anunciou o título da 18ª Exposição Internacional de Arquitetura – La Biennale di Venezia: O Laboratório do Futuro. A intenção do tema é destacar o continente africano como protagonista do futuro, um lugar “onde todas essas questões de equidade, raça, esperança e medo convergem e se aglutinam”. Como o continente de urbanização mais rápida, a África é vista como uma terra com potencial, mas também repleta de desafios, onde questões de equidade racial e justiça climática são tratadas com um impacto significativo no mundo em geral.
No entanto, no final dos anos 1950, outro laboratório do futuro estava se formando, onde as novas ideias do modernismo produziram projetos monumentais e estruturas urbanas completas em uma escala sem precedentes: a Índia. Em busca de uma imagem moderna e democrática, o país recém-independente acolheu mestres da arquitetura ocidental como Le Corbusier e Louis I. Kahn e confiou a eles uma ampla gama de encomendas, desde o traçado urbano de Chandigarh e seus principais edifícios governamentais até universidades, museus e projetos domésticos de menor escala. O resultado é uma mistura de culturas influenciando-se mutuamente para gerar resultados inesperados.
O status da Índia após 1947 e a busca por uma nova imagem lançaram as premissas para a construção de uma das maiores experiências urbanas modernistas. Batizada com o nome da deusa hindu do poder, Chandigarh foi escolhida para se tornar o local da nova capital do estado de Punjab, criada para incorporar a agenda de modernização e os valores seculares da recém-fundada República. Desde o início, o Engenheiro-Chefe de Punjab, P. L. Varma, e o Administrador Estatal de Obras Públicas, P. N. Thapar, se propuseram a trazer profissionais ocidentais, em parte devido ao desejo de criar uma cidade moderna e eficiente mas também devido às limitações na formação profissional de arquitetos sob o Raj. Abert Meyer, um planejador americano, foi convidado à projetar a nova cidade, e Matthew Nowicki, um jovem arquiteto que trabalhou com Le Corbusier, foi selecionado para criar a arquitetura das novas instituições democráticas. Após a morte inesperada de Nowicki em 1950 em um acidente de avião, Thapar e Varma entraram em contato e convidaram Jane Drew e Maxwell Fry, que recomendaram uma colaboração com Le Corbusier, conforme explicado no livro de William JR Curtis, Le Corbusier: Ideas and Forms.
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Construindo para bilhões: a ascensão da Índia ao país mais populoso do mundoHesitante no início, Le Corbusier aceitou a encomenda e tornou-se o arquiteto exclusivo dos edifícios do Capitólio e consultor para o desenho da cidade, ainda oficialmente liderado por Mayer, mas ofuscado pela forte visão de Le Corbusier. Jane Drew e Maxwell Fry também foram contratados, concentrando sua atenção nas áreas residenciais desenvolvidas com equipes de jovens arquitetos indianos. O setor habitacional foi marcado por protótipos vernaculares indianos e continha elementos como galerias e terraços para dormir. Em 1951, Le Corbusier também convidou o jovem arquiteto indiano Balkrishna Doshi para se juntar ao seu estúdio em Paris, que trouxe uma compreensão mais profunda da cultura e do clima indianos para a equipe, tendo uma influência significativa no planejamento da nova cidade, nas áreas residenciais e na criação de espaços abertos. Mais tarde, em 2018, Balkrishna Doshi se tornou o primeiro arquiteto da Índia a receber o Prêmio Pritzker, a maior honraria da arquitetura.
Em escala urbana, o planejamento de Chandigarh manteve alguns dos princípios de Le Corbusier, como a separação das áreas de moradia, trabalho e lazer, e os grandes eixos monumentais, mas deixou de lado os arranha-céus, optando por modelos baixos e médios, numa adaptação aos modos de vida e costumes locais. Em seu livro, Curtis observa que, na busca pela gramática indiana moderna, Le Corbusier mudou sua abordagem para ver a Índia como “um país que deve evitar o industrialismo voraz da primeira era da máquina, forjando uma nova cultura na forma de base moral envolvendo o equilíbrio entre o mecanizado e o rústico, o secular e o sagrado, o local e o universal”.
No projeto dos quatro principais edifícios governamentais, a pesquisa de Le Corbusier sobre a cosmologia e tradições combinou com as adaptações às condições específicas do clima local para produzir elementos arquitetônicos esculturais e simbólicos. Variantes de brises são empregadas para fornecer a sombra necessária, enquanto pórticos e paredes perfuradas permitem que o ar circule e ventile as estruturas. O concreto foi o material preferido. Apesar de armazenar e irradiar calor, o baixo custo e a fácil disponibilidade tornaram-no uma escolha fácil. As ferramentas rudimentares à disposição dos trabalhadores no local resultaram em formas poderosas e superfícies rugosas, tornando a arquitetura “atemporal, mas de seu tempo”.
A influência de Le Corbusier não se limita a Chandigarh. Após sua primeira visita à Índia em 1951, ele foi convidado para Ahmedabad, um importante centro comercial no noroeste da Índia. Com sua forte indústria têxtil, a cidade era vista como um modelo em potencial para uma “Nova Índia”, pois desempenhou um papel significativo na luta pela independência. A nova elite urbana, formada por comerciantes e usineiros, fez questão de firmar sua posição alinhando-se aos ideais modernos representados na obra do arquiteto. Embora nem todas as encomendas tenham dado certo, Le Corbusier construiu quatro edifícios em Ahmedabad: o Museu, o Edifício da Associação de Proprietários de Moinhos, as residências de Shodhan e uma casa particular para Manorama Sarabhai.
O Edifício da Associação de Proprietários de Moinhos é um pequeno palácio, testemunho genuíno de uma arquitetura para os tempos modernos ajustada ao clima da Índia. Com os outros edifícios de Ahmedabad… será uma verdadeira mensagem em direção à uma arquitetura indiana. – Le Corbusier, 1953 (citado em Le Corbusier: Ideas and Forms de William J R Curtis)
No início dos anos 1960, quando foram traçados os planos para a criação do Indian Institute of Management (IIM), uma escola de pós-graduação em administração de empresas em Ahmedabad, Balkrishna Doshi foi consultado. Ele recomendou o arquiteto americano Louis Kahn, que conheceu por meio de seu cargo de professor na Filadélfia. Kahn aceitou a comissão pela chance de trabalhar em uma área influenciada por Le Corbusier com a condição de que BV Doshi se juntasse a ele como associado, como Doshi explicou em uma entrevista em vídeo.
O campus da universidade provou ser uma oportunidade para Kahn projetar um ambiente completo para o aprendizado, um ideal que foi apenas parcialmente realizado por meio de seu trabalho nos Estados Unidos em Erman Hall e no Salk Institute. O subcontinente provou ser um campo de testes receptivo para os empreendimentos arquitetônicos de Kahn, logo após o início das obras em Ahmedabad, ele recebeu outra encomenda para um projeto ainda maior na nova capital em Dhaka, Bangladesh. O Edifício da Assembleia Nacional de Bangladesh foi concluído em 1982, tornando-se uma de suas obras mais reconhecidas e apreciadas.
O campus em Ahmedabad foi uma oportunidade para Kahn explorar as propriedades do tijolo, um material local prescrito a ele pelo cliente devido a restrições econômicas. No tijolo, Kahn descobriu um sistema de construção robusto, atraente por causa de sua honestidade estrutural direta. Em conversas com seus alunos nos Estados Unidos, muitas vezes dramatizou esse diálogo realizado com o material, conforme citado no livro de David B. Brownlee e David G. De Long, Louis I. Kahn: In the Realm of Architecture:
Você diz para o tijolo: 'O que você quer, tijolo?' E o tijolo diz para você: 'Eu gosto de um arco. E você diz para o tijolo: 'Olha, eu também quero um, mas os arcos são caros, e posso usar uma verga de concreto sobre você, sobre uma abertura.' E então você diz: 'O que você acha disso, tijolo?' E o tijolo diz: 'Eu gosto de um arco.' - Louis Kahn
Em sua busca por uma imagem moderna e democrática, a Índia tornou-se uma terra de possibilidades onde a linguagem, os ideais e os princípios abstratos modernistas podiam ser testados em uma escala sem precedentes, mas não em um vácuo. Aqui, dois dos pioneiros do Modernismo encontraram uma nova expressividade através da influência de uma cultura a princípio distante deles. A cultura, os costumes, o modo de vida e a relação com os materiais e a terra da Índia influenciaram não só a obra de Le Corbusier e Louis Kahn, mas também a imagem do Modernismo e da arquitetura do século XX em geral.
Este artigo faz parte da série ArchDaily intitulada Índia: Construindo para Bilhões, na qual discutimos os efeitos do aumento populacional, urbanização e crescimento econômico no ambiente construído da Índia. Ao longo da série, exploramos inovações locais e internacionais que respondem ao crescimento urbano da Índia. Também conversamos com arquitetos, construtores e a comunidade local para destacar suas experiências pessoais. Como sempre, na ArchDaily, valorizamos muito a opinião dos nossos leitores. Se você acredita que deveríamos apresentar um projeto específico, por favor, nos envie sua sugestão.