O cinema, como expressão artística, tem sido sempre uma tela em branco onde ficam registrados imaginários de uma grande criatividade assim como as visões particulares de grandes diretores. Tem sido também, de maneira indireta, uma testemunha dos sentimentos da sociedade dentro de uma determinada época.
Para a arquitetura, a década de 70 supos a morte do movimento moderno, um ponto de ruptura que permitiu a uma nova geração de arquitetos desenvolver suas próprias linguagens, as quais começaram a dominar a cena mundial na década seguinte. Para a sociedade do seu tempo este feito teve uma aceitação ambivalente pois, para alguns significava uma lufada de ar fresco, enquanto para outros uma perda dos valores tradicionais, trocando-os por novos que somente poucos entendiam a profundidade.
Dentro do filme, podemos encontrar um sentimento duplo em relação à mudança de época. Vemos refletido um temor diante da rapidez com a qual nosso entorno se transforma, mas também um desejo inenarrável por criar e descobrir novos ambientes sobre os quais discorrer. Este caráter dual entre passado e presente, coincidirá com a maneira de pensar de Tim Burton, representando não somente um espaço eclético, mas também mutável.
A arquitetura resulta fundamental para a narrativa do filme. A residência é tanto o espaço onde se desenvolve quase a totalidade da história como uma protagonista a mais. Ambientada dentro de um idílico povoado rural, exibe um belo e deliberado aspecto vitoriano, um lugar de sonho onde a vida acontece com tranquilidade. Apesar da sua imagem poética, podemos encontrar um caráter desconexo e, por vezes falso, entre seus planos e escalas os quais respondem à condição cenográfica dos interiores gravados em estúdio.
O espaço arquitetônico da casa cria um lugar mágico no qual os vivos e os mortos interagem entre si, um universo que saiu de um imaginário consciente onde os parâmetros físicos da realidade resultam irracionais. É um espaço mutável cujos valores mudam de acordo com a situação . Uma casa que ganhou vida própria e que busca dar voz e abrigo a todos que nela habitam.
Dentro do seu estado original, os ambientes dramatizados são reconfortantes e aconchegantes, cheios de luz cálida e natural. Mas, após a chegada dos seus novos inquilinos a casa se torna escura, inquietante, repleta de um sentimento de artificialidade e ameaça constante diante de suas decorações pontiagudas e extravagantes.
Burton baseia seu imaginário nas tendências de desenho da sua época, em especial no trabalho chamado “Grupo Memphis”, para satirizar a busca obsessiva da sociedade por exibir uma identidade original que, apesar de chamativa, é carente de significado.
Uma linguagem oposta à essa tendência, não somente através da negação, mas com uma exploração e proposta própria de desenho. Imagina e conforma cenários cujas origens nascem no sonho e no pesadelo, onde formam seus tópicos que mais adiante se converterão na sua marca pessoal. Reflete sua obsessão pelos temas góticos e escuros, até o grotesco e o macabro como elemento cômico, assim como demostra claras reminiscências das correntes clássicas da arte.
Seus cenários dentro do mundo dos mortos, onde predomina um ambiente burocrático, relembram inequivocamente o expressionismo alemão com suas perspectivas distorcidas. Por um lado, o "limbo" fora da casa é uma encarnação do trabalho surrealista de Salvador Dalí "A persistência da memória". Sua linguagem, apesar da excentricidade, se torna franca e autêntica, um reflexo da sua própria personalidade, que acaba sendo familiar e cativante.
Cenas Chave
1. FORMALISMO HISTÓRICO E POÉTICO
Localizada sobre uma colina e de estilo gótico vitoriano, o desenho da casa é deliberadamente poético, enfatizando a nostalgia por um passado mais simples, elegante e intimista.
2. DISTANCIAMENTO DA MODERNIDADE
Ambientado em Connecticut, mas filmada em Vermont, o filme nos transporta para um ambiente tipicamente rural, pitoresco e que se afasta do desenvolvimento acelerado da cidade moderna.
3. IRRUPÇÃO DO PÓS-MODERNO
Com a chegada dos novos inquilinos de Nova York, a casa adquire uma linguagem pós-moderna de elementos ortogonais, fachada dupla, assim como um leve tom cômico deliberado.
4. ENQUADRAMENTO E DISTANCIAMENTO
Os elementos arquitetônicos criam belos quadros com a paisagem rural, uma realidade física que confere estilo e prestígio aos seus habitantes mas com os quais se recusam interagir.
5. LINGUAGEM CLARA E ACONCHEGANTE
Os interiores da casa são clássicos, decorados com madeira e papel de parede floral, com uma paleta de cores em tom ocre que enfatiza a sensação de calidez, conforto e intimidade.
6. DECORAÇÃO ANTAGÔNICA
Após sua transformação, a casa se torna um local repleto de formas duras, frias e atemorizantes. Cheia de cinzas e cantos escuros, é um ambiente dotado de solidão e desgosto.
7. INFLUÊNCIA DO “GRUPO MEMPHIS”
Nascido e popularizado nos anos oitenta, o movimento se caracterizou pelo uso de plásticos, formas geométricas assimétricas e cores primárias ressaltadas na decoração.
8. O GÓTICO / EMANCIPAÇÃO SOCIAL
Conceitos chave que se repetem na estética de Tim Burton buscam uma personalidade própria e autêntica. Eclética pela combinação dos elementos modernos e vintage.
9. DIMENSÕES ONÍRICAS E SURREALISTAS
Influenciado pela obra de Salvador Dali, o limbo é uma dimensão alheia à existência humana com uma paisagem desértica e um horizonte repleto de planetas colossais.
10. PESADELOS BUROCRÁTICOS
A visão sobre "o mais além" é abstrata e distorcida, uma sátira do sistema burocrático. Sua decoração é estranha, uma exaltação do grotesco com um sentido de humor macabro.
11. INFLUÊNCIA DO EXPRESSIONISMO ALEMÃO
Burton apresenta uma reminiscência clara da anormalidade cenográfica, quase cubista do cinema alemão. Cria dramatismo e distorção visual para dar origem a um ambiente que saiu de um pesadelo.
12. METAMORFOSE DO ESPAÇO
A casa é apresentada como um ambiente mutável, um espaço que reflete e se adapta aos diferentes planos de realidade. Passa de um espaço cômico a um extravagante e atemorizante.
FICHA TÉCNICA
Data de Estreia: 30 de Março de 1988
Duração: 92 minutos
Gênero: Comédia / Fantasia
Diretor: Tim Burton
Roteiro: Michael McDowell / Larry Wilson
Fotografia: Thomas E. Ackerman
Perfil do Diretor
Timothy Walter Burton é um diretor e ilustrador estadunidense nascido em Burbank, Califórnia, no dia 25 de agosto de 1958. Ele se considera uma pessoa introvertida e inadaptável socialmente. Suas grandes paixões são o desenho, a pintura e o cinema, especialmente o relacionado com a ficção científica e terror.
Estudou no Instituto de Artes da Califórnia, fundado por Walt Disney, como meio para recrutar alternativamente jovens interessados na animação. Destacou-se neste meio e foi contratado como artista conceitual, mas eventualmente seus projetos não foram bem recebidos pela companhia. Ao realizar o curta “Frankenweenie”, a companhia o despediu por achar demasiadamente terrorífico. Foi somente com a direção do filme “Bettlejuice” que seu nome e marca cinematográfica foram reconhecido no púbico em geral. Ele lucrou milhões e recebeu o Oscar de melhor maquiagem.
Seu próximo projeto viria por parte da Warner Bros, recebendo um orçamento colossal para realizar uma interpretação do personagem Batman. Houve momentos, dentro da produção, que o estilo visual se tornou muito escuro para os fanáticos do personagem, quase ao ponto do boicote. Na sua estreia, foi êxito de bilheteria e converteu-se em uma influência no meio.