Placemaking na era da inteligência artificial

Para os arquitetos, um dos aspectos mais cativantes da IA e do Metaverso é o placemaking. Como criamos lugares atraentes que trazem as pessoas para este novo mundo e permitem que elas aproveitem sua experiência nele, fazendo com que retornem assim que a novidade passar? Quanto deste mundo digital precisa se conectar com nossos ambientes físicos do dia a dia para que pareça significativo e como essas cidades, vilas e bairros artificiais ganham vida?

De 2000 a 2007, ensinei teoria do lugar no ciberespaço com Yehuda E. Kalay, Ph.D. na Universidade da Califórnia, Berkeley. Uma parte central deste curso foi transmitir aos alunos o fato de que os ingredientes os quais constituem um lugar não estão apenas nas mãos de arquitetos e designers. 

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Exemplos de lugares digitais criados como parte do Museum of No Spectators do Burning Man por John Marx e J. Abinthia Vermut mostrando as diferentes abordagens de como o Metaverso pode ser experimentado de uma interface semelhante a um desenho animado para uma onde textura, luz e detalhes informam a qualidade do entorno. Cortesia da imagem de John Marx e J. Abinthia Vermut

Isso é tão verdadeiro no Metaverso quanto em qualquer situação urbana ou rural. O senso de lugar ou “genius loci” é feito de suas qualidades físicas, é claro, mas igualmente gira em torno das pessoas e das atividades que lhe dão vida.

Pense em quão poderoso é o senso de lugar nas regiões vinícolas e em suas vilas, por exemplo. A produção de vinho e as atividades, incluindo rituais e festividades associadas à viticultura, transformam estes locais em espaços com um significado particular que – e isso é importante – nos envolvem emocionalmente. Como resultado, esses lugares se tornam atraentes, distintos e memoráveis – exatamente os tipos de lugares que gostamos de visitar sempre.

Na verdade, este exemplo ilustra um ponto-chave sobre os lugares na sua melhor versão. Eles são frequentemente equiparados a algum lugar onde mais cultura é produzida do que consumida. Você pode apreciar as delícias do Napa Valley, do Mosel ou das vilas da Borgonha e não ser um fã de vinho ou mesmo um apreciador. Comida e bebida são algumas das principais formas de nos conectarmos com um lugar, não importa onde estejamos no mundo. E as refeições também são uma das oportunidades mais importantes para a interação social.

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Espaço comunitário criado em Siena em torno de comida e bebida. Imagem © John Marx

O ciberespaço não oferecerá oportunidades para uma refeição compartilhada, mas será um lugar onde as redes sociais se reúnem. Os jogos baseados em armas foram um primeiro passo para demonstrar isso, mas o desenvolvimento do comércio eletrônico em uma plataforma muito mais experimental no Metaverso aumentará o seu caráter comunitário. Para que o Metaverso atenda a uma ampla variedade de pessoas e culturas, precisaremos criar lugares que não dependam da violência para envolver os usuários. Imagine uma viagem de compras compartilhada com sua família ou amigos no ciberespaço, por exemplo, será tão real que a experiência de compras pela Internet se tornaria plana como navegar pelas páginas do catálogo de pedidos por correio. Da mesma forma, você pode optar por ir a um show ou evento esportivo com um grupo de pessoas ou se encontrar em uma exposição de arte.

Com a IA avançando a uma velocidade fenomenal, as sequências de eventos que você esperaria na vida real e em 3D farão com que a Internet pareça pouco inspiradora. Isso pode fazer você se perguntar por que a world wide web não fez mais uso do 3D e, em vez disso, recorreu principalmente a páginas 2D que nos lembram fichas de índice. Inicialmente, tratava-se de hardware de PC, limitações de memória e largura de banda da infraestrutura da Internet. Esses obstáculos estão sendo superados rapidamente. No entanto, a interpretação deste novo reino 3D do Metaverso pode ser exatamente o que cria ou rompe esta próxima iteração de nosso universo potencialmente paralelo da era digital.

É aqui que arquitetos e designers entram com um conjunto de habilidades bem desenvolvido e crítico, com uma sensibilidade 3D inestimável. Os arquitetos são treinados nas tipologias de construção e nos princípios de placemaking que tanto contribuíram para nossa evolução cultural e social. Portanto, faz sentido que, olhando para as teorias, métodos e processos de desenho arquitetônico que transformam o espaço em lugares significativos, possamos desenvolver projetos atraentes para o Metaverso. Esses projetos não devem apenas facilitar a comunicação e a interação social, mas também incorporar os valores culturais que nossa sociedade mantém, apoiando e aprimorando ainda mais a noção de habitação no Metaverso.

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O exemplo clássico de como uma praça atua como espaço compartilhado na Basílica de São Marcos, em Veneza. Imagem © John Marx

Então, como começamos a conectar o que sabemos sobre placemaking em nosso ambiente construído com o mundo virtual? Acima, toquei em três aspectos fundamentais da compreensão do lugar, seja aqui e agora ou no Metaverso. São pessoas, atividades e contexto físico. Contexto é essencial. Você precisa estar em algum lugar, mas como chegar a esse lugar no ciberespaço de uma forma que não seja apenas mais um truque do qual nos cansaremos depois de algumas visitas? Como você apresenta as qualidades duradouras do placemaking quando bem feito?

Embora não haja um manual para isso, a conversa é vital para os interessados na longevidade do Metaverso. A pesquisa que fizemos na Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos levou a começar com alguns critérios orientadores.

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A Playa do Burning Man reúne os participantes, criando uma experiência espacial totalmente nova com limite de tempo que ressoa com o placemaking no Metaverso. Imagem © John Marx

1- Os lugares são cenários de acontecimentos complexos e ricos: fornecem uma razão e um propósito para estar ali. Nos jogos digitais, o objetivo pode ser matar o inimigo, conquistar território ou ascender a níveis "mais altos" do jogo. No espaço físico, o “evento” pode ser fazer compras, ser ensinado ou entretido, realizar negócios ou simplesmente conhecer outras pessoas.

2- Lugares envolvem algum tipo de engajamento com objetos ou com pessoas. Sendo assim, eles exigem presença. A presença pode ser participativa, como em um jogo ou em um MUD, ou remota, como no voyeurismo. De qualquer forma, expõe o ator a normas sociais e costumes culturais.

3- Os lugares fornecem localização relativa: eles informam onde você está, de onde veio e para onde pode ir no futuro, espacial, temporal e socialmente. Isso confere aos lugares um senso de singularidade e um caráter próprio que ajuda a diferenciar um lugar do outro.

4- Presença e localização promovem uma sensação de autenticidade: isso permite ao ator saber que participa de um evento ‘real’, ao invés de assistir a um evento previamente gravado. É a sensação que se tem ao assistir a um jogo de futebol ou a um show, em vez de vê-los na TV. Os sinais reveladores de um lugar autêntico são a mudança e o acaso.

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Rojkind Arquitectos explora o espaço digital de uma forma imaginativa que transcende o espaço físico, mas atinge um padrão de sensibilidade que associamos a ele. Cortesia da imagem de Rojkind Arquitectos

5- Um local deve ser adaptável, de forma a permitir a apropriação às necessidades específicas do usuário, e fomentar a capacidade de personalização do local. Lugares bem projetados promovem um senso de propriedade e um senso de controle e, ao mesmo tempo, responsabilidade e acesso compartilhados.

6- Os lugares digitais, ao contrário de suas contrapartidas físicas, oferecem uma variedade de experiências: eles podem fornecer diferentes pontos de vista, diferentes escalas, diferentes níveis de abstração e até mesmo diferentes perspectivas temporais.

7- A escolha e o controle sobre as transições no ciberespaço de um lugar para outro oferecem uma riqueza muito maior do que o espaço físico: é possível "hiper-saltar" ou usar o percurso como um evento em si.

8- Por fim, lugares bem projetados são intrinsecamente memoráveis: são lugares onde você quer estar, ficar e voltar. Isso pode ser baseado em parte por um grau de fechamento e definição do espaço, bem como por uma riqueza textural e ambiental. [1]

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Exemplos de lugares digitais criados como parte do Museum of No Spectators do Burning Man por John Marx e J. Abinthia Vermut mostrando as diferentes abordagens de como o Metaverso pode ser experimentado de uma interface semelhante a um desenho animado para uma onde textura, luz e detalhes informam a qualidade do entorno. Cortesia da imagem de John Marx e J. Abinthia Vermut

Esse pensamento sobre o potencial do Metaverso em ser memorável e sua vida útil em si pode parecer curioso quando estamos apenas arranhando a superfície desta próxima iteração do ciberespaço. Estou interessado em como os espaços per se serão definidos. Haverá uma prevalência de espaços interiores e fechados em oposição a espaços públicos abertos? Quais são os limites espaciais?

Qual será o papel de nossa compreensão baseada na cultura da adequação comportamental? Se a ‘localidade’ é consequência do modo de vida dos habitantes, como sugerido acima no caso dos produtores de vinho, então os atributos físicos que enquadram esse modo de vida fornecem um ambiente socialmente compartilhável ou um ‘lugar’. Crucialmente, em um novo tipo de espaço, seu design fornecerá pistas que organizam e direcionam o comportamento social apropriado naquele local específico. Quanto desse tipo de coreografia ou instrução espacial será intuitivo ou aprendido no Metaverso? Essa equação precisará ser cuidadosamente balanceada para determinar como as pessoas se sentem em casa em seu novo ambiente digital. As respostas e comportamentos individuais, sem dúvida, variam muito, mas o sucesso do Metaverso vai além da experiência individual e depende da sensação de um ambiente social compartilhado, mesmo que seja visitado sozinho. Sem esse potencial de interação e sentimento de coletividade, o Metaverso seria uma experiência puramente transacional com alguns enfeites - embora tecnicamente sofisticados.

Os lugares estão, portanto, longe de coisas rasas definidas por sua superfície. Eles têm um significado baseado nas crenças que as pessoas associam a eles. É esse significado que determina as expectativas do comportamento humano em um ‘ambiente’ que, quando violado, é considerado ‘fora de contexto’. Esses significados surgem ao longo do tempo, à medida que os costumes tomam forma e são transformados nas culturas que os utilizam. Culturas diferentes podem ter entendimentos diferentes de lugares e conceitos semelhantes, o que contribui para sentimentos de estranhamento ao visitar países estrangeiros, onde as mesmas pistas adquirem significados diferentes do que em casa.

Embora os arquitetos possam não ser capazes de projetar um "sentido de lugar", formas apropriadamente arranjadas podem apoiar a criação de um sentido, enquanto formas inapropriadas podem dificultar sua criação. Por "apropriado" quero dizer formas que abrigam as funções desejadas por seus usuários e dialogam com suas concepções de tais lugares. Adequação funcional é uma medida de ajuste entre a atividade e os objetos ou espaços que a abrigam. Adequação conceitual é uma medida de ajuste entre a forma (ou ambiente) e as expectativas dos habitantes do lugar. Essas expectativas são questões de convenções sociais, normas culturais, educação e etnia - o que chamamos de "aculturação". [2]

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Exemplos de lugares digitais criados como parte do Museum of No Spectators do Burning Man por John Marx e J. Abinthia Vermut mostrando as diferentes abordagens de como o Metaverso pode ser experimentado de uma interface semelhante a um desenho animado para uma onde textura, luz e detalhes informam a qualidade do entorno. Cortesia da imagem de John Marx e J. Abinthia Vermut

Na arquitetura, estamos familiarizados com a forma como as tipologias de construção evoluíram para abordar a adequação em diferentes partes do mundo e como os profissionais confiam em precedentes para criar seu trabalho e alcançar uma continuidade que nos permite apropriar-nos dos edifícios enquanto abordamos todos os nossos sentidos, incluindo como nos movemos através do espaço. Isso é totalmente diferente de navegar em páginas da web que são conceitualmente emprestadas das disciplinas de publicidade tradicionais. No ciberespaço, temos a oportunidade de transcender o campo 2D que domina a internet e reunir o rico mundo do placemaking 3D com os benefícios da tecnologia digital, mas precisamos de algumas habilidades de planejamento para criar um ambiente verdadeiramente imersivo que seja mais do que apenas entretenimento. Esta é a única maneira do Metaverso ser um participante significativo na contribuição para a sociedade em geral.

Referências 

1- Esses critérios são discutidos em detalhes em Architecture and the Internet: Designing Places in Cyberspace artigo de John Marx com co-autoria de Yehuda E. Kalay, PhD

2- Esses conceitos sobre adequação funcional e conceitual são discutidos em detalhes em Architecture and the Internet: Designing Places in Cyberspace artigo de John Marx com co-autoria de Yehuda E. Kalay, PhD

"Placemaking in the AI era" foi escrito pelo arquiteto John Marx, AIA, fundador e diretor artístico da Form4 Architecture, uma premiada empresa de São Francisco que projeta edifícios, campi e interiores para empresas de tecnologia como Google e Facebook, laboratórios para clientes de ciências naturais e locais de trabalho para várias outras empresas. De 2000 a 2007, Marx ministrou um curso sobre o tema placemaking no ciberespaço da Universidade da Califórnia, em Berkley, e em 2020 desenhou seu primeiro projeto no metaverso para o evento Burning Man, "The Museum of No Spectators". No ano seguinte, John Marx liderou uma equipe de arquitetos encarregada de criar um portal de $ 500 bilhões para o metaverso.

Este artigo é o segundo de uma série com foco na Arquitetura do Metaverso. O ArchDaily colaborou com John Marx, AIA, arquiteto fundador e diretor artístico e de projetos da Form4 Architecture, para trazer a vocês artigos mensais que buscam definir o metaverso, transmitir o potencial desse novo mundo e entender suas restrições.

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Sobre este autor
Cita: Marx, John. "Placemaking na era da inteligência artificial" [Placemaking in the AI Era ] 14 Abr 2023. ArchDaily Brasil. (Trad. Ghisleni, Camilla) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/998042/placemaking-na-era-da-inteligencia-artificial> ISSN 0719-8906

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